Diário

São Tomé e Príncipe (10 a 31 de janeiro de 2008)

por Fábio Olmos (f-olmos@uol.com.br)

Desta vez cheguei a STP via Lisboa. Parti no dia 8/jan de Cumbica para lá no vôo das 19:10, que chega às 07:30 (hora local). O vôo de Lisboa para STP sai às 23:30, de forma que passei o dia 9/jan na capital lusa, muito agradável e fácil de passear. Além de ir ao oceanário do Parque das Nações, fui passear na área da Praça do Comércio, onde gaivotas (Larus ridibundus, L. cachinnans e L. fuscus) e Phalacrocorax carbo podem ser vistos no Tejo. Na praça da Alfândega milhares de Sturnus vulgaris deram um show de coreografia aérea ao crepúsculo.

10/jan – Chegada no aeroporto de STP às 05:30. Duas noites sem dormir acabaram comigo. Peguei um táxi (10 euros) até o Hotel Avenida. Liguei para os parceiros locais para agendar uma reunião e fui caminhar até a loja Ossobô para comprar um chocolate de Cláudio Corallo, o único (e italiano) chocolatier do país (que tem no cacau 90% das exportações). É muito bom e estava desejando uma barra há meses. No caminho observei algumas das aves urbanas do lugar: Serinus mozambicus (introduzido e muito comum), Lonchura cucullata (idem) e Streptopelia senegalensis. Nas pedras junto ao velho forte português (hoje Museu Nacional) um Actitis hypoleucus e uma Egretta gularis morfo branco. Grupos de 20-25 do taludo Apus affinis daqui em vôos de exibição, grupos menores de Cypsiurus parvus fazendo o mesmo e entrando entre as folhas das palmeiras nos jardins.

Milvus a. parasitus voavam sobre a baía como fragatas. O tempo está úmido e muito quente. O primeiro endêmico de sempre encontrado no jardim do hotel: Prinia molleri. Que pode ser vista em meio à cidade, seu canto “alarme de carro” sendo conspícuo. A molecada (sempre com estilingues) não a mata porquê há a crença de que quem faz isso se torna estúpido. Obviamente andou chovendo. Oooops.

11/jan – Amanheceu chovendo aos baldes. Nada de gravaninha. Está ums 35°C. Como as reuniões estão agendadas para a tarde, cuidei de pendências via web e fui caminhar na cidade. No caminho da reunião passei em frente a um terreno cercado, com capim alto e dei de cara com um macho de Quelea erythops construindo seu ninho entre as hastes de colonião. Meu primeiro para STP.

12/jan – Longtong Turshak, meu cúmplice do APLORI no projeto saotomense, chegou de Lagos uma hora antes do esperado. Ele havia sido informado do horário de chegada com base no fuso de Lagos, não no horário local…. Dia dedicado a business. Novidade gastronômica: calulu de polvo na Pousada Adelaide.

13/jan – Business, incluindo almoço social com parceiros locais.

14/jan – Alugamos um carro e fomos para a área de savana entre a Praia das Conchas e Lagoa Azul, no norte da ilha. Foi pegar o carro que começou uma chuva torrencial. Passamos pela praia e a lagoa em direção A neves para um snack. No caminho os primeiros Phaethon lepturus voando sobre a estrada, que serpenteia ao longo da costa. Um pothole depois do outro. Muitos Apus affinis e Cypsiurus parvulus sobre a estrada. Com a trégua da chuva paramos na Lagoa Azul, uma pequena baía circundada por uma costeira rochosa onde crescem tamarindos e baobás. Ali encontramos famílias de Ploceus velatus (a forma endêmica peixotoi) com filhotões, muitas Prinia molleri, Serinus mozambicus, Estrilda astrild (outra espécie introduzida) e uma fêmea de Euplectes hordeaceus. Na costeira duas Egretta gularis morfo branco e um Actitis hypoleucus. Algumas E. gularis parecem mudar para o morfo escuro, a plumagem branca sendo uma característica juvenil que pode ser mantida após a maturidade. Uma das aves tinha algumas penas cinzentas.

Com a volta chuva resolvemos voltar à cidade e dar um tempo. Voltamos à tarde direto para a Praia das Conchas para ver o que voava no fim da tarde. Rapidamente achamos machos de Euplectes albonotatus e de Vidua macroura em exibição, grupos de Estrilda, Serinus mozambicus, Ploceus velatus, algumas Aplopelia larvata (forma endêmica simplex) e vários Columba malherbii cantando em vôo de exibição sobre os baobás. Em julho não ouvimos esta espécie e mal a vimos. Vários Milvus a. parasitus voando e pousados nos baobás. É o único falconiforme residente.

Nas capoeiras próximas encontramos os primeiros Zosterops (antes Speirops) lugubris e Anabathmis newtonii, alguns dos endêmicos mais legais. Sobre uma arvoreta havia um macho de Euplectes hordeaceus em display. É outra das espécies introduzidas, a maioria vinda de Angola com os navios negreiros. Indivíduos isolados e depois um grupo de seis Agapornis pullarius comia frutos em uma árvore que não identifiquei e também as sementes de colonião.

O objetivo da visita era achar um ponto onde Euplectes aureus (outra introdução de Angola) fosse observável pelo grupo que nos encontraria no próximo sábado. E descendo para a praia rapidamente vimos um macho se exibindo para algumas fêmeas que comiam sementes de colonião junto com um Agapornis. Continuamos pela estrada (de terra), que separa a praia de uma faixa de mangue e represa parte da água que escoa deste. Com as chuvas uma torrente corria pelas manilhas sob a estrada e desaguavam na praia.

Em uma Longtong encontrou um Periophthalmus barbarus aturdido. É um peixe bizarro que anda bem na lama, mas nada mal. Tentei apanha-lo, mas pulou na água. Alguma garça deve tê-lo capturado.

O manguezal é dominado por uma Avicennia e caranguejos vermelhos e azuis tipo Ucides pululavam ali e no chão da “floresta” menos encharcada ao lado, formada por jaqueiras e árvores de fruta-pão. Vimos quatro Butorides striatus, que com as garças parece dormir nas árvores do mangue, e o primeiro Alcedo c. thomensis, o “conóbia”. O pessoal aqui mata o bicho, o seca e fuma a carcaça como afrodisíaco….

Satisfeitos, fomos conferir a Lagoa Azul. Encontramos os mesmos bichos da manhã, incluindo as duas garças. Retornamos já no escuro e quase atropelo duas pererecas que cruzavam a estrada. Não consegui parar porquê um carro estava colado atrás. Bugger. Queria ver os bichos.

15/jan – Saímos de manhã rumo à Praia das Conchas, sob um sol inesperado. Descemos direto em direção ao mangue e à praia, onde havia uma Egretta garzetta junto de uma E. gularis adquirindo a cor escura, permitindo uma comparação direta de tamanho. A primeira é nitidamente maior. Com elas também um Numenius phaeopus (a forma européia, com costas brancas).

Nas árvores do mangue muitas Prinia, Ploceus sanctithomae, Tersiphone atrochalybea, Z. lugubris e Serinus mozambicus. Também alguns Serinus rufobrunneus. Exceto S. mozambicus, todos endêmicos.

Além do mangue a estrada segue para áreas mais elevadas com áreas de capim usadas como pasto por algumas (e bem nanicas) vacas e cabras, onde também foram plantados alguns cajueiros. Facilmente vimos vários Euplectes albonotatus em exibição, grupos de Ploceus velatus, incluindo machos construindo ninhos e, o prêmio maior, vários Euplectes aureus, um os quais mantendo uma área de exibição junto à estrada e facilmente observado.

Seguimos pela estrada, que dá acesso a diversas propriedades com placas de futuros empreendimentos turísticos e algo que parece ser a casa dos VIPs da Marinha local. Nos quintais, cheios de tamarindos, mais Euplectes aureus em exibição, e alguns E. hordeaceus, além de lagartos (Euprepes e Hemidactylus) nos muros.

Julgando pelas placas e arruamentos, as savanas daqui não irão durar muito. Segundo me contaram, um grupo de ex-soldados que lutaram pela África do Sul e depois tentou um golpe militar ganhou a área como prêmio nas negociações que se seguiram, e têm apoio sul-africano para construir um mega condo com campo de golf e marina.

Satisfeitos, e depois de ver um par de Uraeginthus angolensis (outro introduzido) decidimos ir à Lagoa Azul. Estacionei bem quando um par de pescadores desembarcava um andala (marlim). O pessoal os pesca com linha de mão em canoas de um pau só. Lembram de O Velho e o Mar ? Aqui acontece todo dia.

As espécies comuns, vistas ontem, estavam toda parte, especialmente Serinus mozambicus e Ploceus velatus. Muitos Apus affinis e Milvus sobrevoando a área. Resolvi ver se o snorkeling era bom (afinal, havia trazido a máscara). O fundo do mar lembra Noronha pelas rochas vulcânicas negras incrustadas por algas coralinas avermelhadas ou rosadas, coral-baba e os ocasionais corais-cérebro. Mas há mais gorgônias (negras) e me parece haver mais peixes. Há ouriços negros com linhas em azul luminoso no corpo. Surreal.

Um total de 185 espécies de peixes já foi registrado em ST, mostrando uma fauna com forte influência das ilhas de Ascension e Santa Helena e comunidades distintas da costa africana (Afonso, P. et al. 1999. Coastal marine fishes of São Tomé Island (Gulf of Guinea). Arquipélago. Life and Marine Sciences 17 A: 65-92). Ainda preciso identificar o que vi, mas a abundância de Fistularia tabacaria foi notável. Veja também www.lbmm.ufsc.br/projetos/stome/NGS_STome_Report.pdf.

Longtong (aliás, o nome é Mupun, e significa “Wealth Came to Stay”), que não sabe nadar e, de fato, só conheceu o mar na última viagem (não sabia que era salgado…) não quis tentar o snorkeling. Mas logo depois um par de pescadores que estavam utilizando máscaras, pés-de-pato e fisgas chegou à terra com polvos, uma sépia, moréias e outros peixes. Bem interessante ver meu colega nigeriano conhecendo os moluscos pela primeira vez e descobrindo que as ventosas agarram.

À noite, zapeando a TV, descobri que o pessoal aqui assiste um híbrido entre a tosca emissora local e a RTP lusa, a Globo versão africana (com propaganda angolana) e a Record, também com marketing angolano. E vi aquela novela dos mutantes. Meudeusdocéu, vai ser trash assim aqui em São Tomé….

16/jan – Após o café subimos em direção ao Jardim Botânico, em Bom Sucesso, situado a uns 1.100 m. Lá reencontramos Martim Melo e Rita Covas, que estudam a genética e evolução das aves das ilhas do Golfo da Guiné. São muito boa gente e estão com a filha Francisca, de pouco mais de um ano, e Andréa, uma estudante colombiana que está comparando as vozes de Zosterops lugubris nas florestas e nas roças. Rita já havia detectado diferenças morfológicas e podem haver outras. Também encontramos os caretakers Francisco e Lagoas, e o pessoal da Monte pico, que agora administra o lugar.

O Jardim Botânico é um ótimo point. De saída já vimos, além dos endêmicos pebas (Anabathmis, Prinia, Tersiphone, Z. lugubris, Ploceus sanctithomae, Serinus rufobrunneus) um grupo de 4-5 Zosterops feae, considerado um dos endêmicos embaçados.

Ouvindo vários Chrysococcyx cupreus, pegamos a trilha rumo a Lagoa Amélia, um dos pontos tradicionais de bird-watching em ST. A trilha cruza plantações de banana, batata, cenoura e repolho com árvores que sobraram da antiga floresta. Em uma figueira carregada de grandes frutos laranja (do tamanho de um figo cultivado) junto da trilha encontramos vários Treron sanctithomae se alimentando com alguns Turdus olivaceofuscus. Entrando na floresta, após a placa que marca o limite do Parque Natural, muitos bichos cantando. Aplopelias, Treron e Columba malherbii a mil, os primeiros Zoonavena thomensis, assim como Oriolus crassirostris (um atraído no assobio), Z. lugubris, Prinia, S. rufobrunneus e P. sanctithomae. A atividade vocal em janeiro é muito maior que em julho.

A floresta montana ali mostra árvores muito altas com troncos e ramos cobertos de musgo. Uma antiga trilha de mulas, marcada por touceiras de bambu exótico (no Brasil se faz, ou fazia, o mesmo) leva à Lagoa Amélia, uma cratera vulcânica onde havia um lago que se tornou uma turfeira ou brejo. As paredes são cobertas por floresta, que é contínua com o grande maciço florestado das montanhas que dividem a ilha de L para O.

Chegando à crista do anel da cratera pegamos uma nova trilha aberta por Monte Pico. Mais do mesmo, e nem sinal do Dreptes thomensis, nosso objetivo ali. O mais lazarento dos endêmicos desejáveis, o fdp nunca vem no play-back (ao contrário do Anabathmis, bem oferecido).

Na trilha nova encontramos uma fêmea de Tersiphone que, por alguma razão, estava mobbing uma fêmea de Oriolus. Provavelmente seu ninho estava nas proximidades. Também encontramos muitas das bigornas onde os Turdus quebram os caracóis terrestres (as 3 ilhas oceânicas do Golfo somam 60 espécies endêmicas…) de que se alimentam.

Voltando escutamos o lazarento do Dreptes no mesmo ponto onde o vimos em julho, mas nada de vê-lo.

Retornamos para o Jardim Botânico e em frente havia um garoto com seu estilingue e uma sacola com um Treron moribundo, um Z. lugubris sem cabeça e um P. sanctithomae. A cultura local, como a do nordeste brasileiro e da Nigéria, é cruel com a vida selvagem.

Exploramos a “estrada” até uma elevação próxima, onde há antenas de telefonia, sem novidades, e voltamos à cidade. Na volta, um par de Onychognathus fulgidus (a forma nominal é endêmica) comendo abacates na copa de uma árvore junto da estrada.

Um pneu furou e o sentimento de familiaridade com paragens tupiniquins surgiu de novo quando fomos usar o macaco e descobrimos que a chave de roda, necessária para gira-lo, não se encaixava nele…. Felizmente estávamos junto a uma obra e conseguimos um alicate de pressão e resolvemos o problema.

Jantar no Filomar. Um ótimo cherne grelhado.

17/jan – Manhã resolvendo problemas pneumáticos e administrativos. Após o almoço fomos à antiga Pousada Boa Vista, datada da década de 1950, no caminho para Bom Sucesso. Fechada a anos, parece que um grupo angolano a está restaurando, de forma intermitente. Exemplares de Oceanodromacastro” já bateram nas janelas dali e podem nidificar nas florestas da ilha.

O objetivo era achar um ponto para Ploceus grandis. Deixamos o carro no início da estrada que sai da Pousada para a Cascata de São Nicolau, um conhecido ponto turístico, cortando roças de café sombreado por muitas Erythrina com 20-30 m. Uma lástima que no Brasil não se use sombrear o café. Os cafezais seriam menos de um deserto biológico.

Columba malherbii estava cantando a toda e respondeu ao play-back se aproximando em vôo de exibição e cantando. Rapidamente vimos dois pares de P. grandis no alto das Erythrina. O lugar é bom. Inesperadamente também ouvimos um Dreptes cantando. Tentei a voz de contato e um bicho voou por obre a estrada, mas não foi visto novamente. Todos os endêmicos pebas vistos no caminho, assim como muitas Aplopelia andando na estrada, com asas caídas e cauda um pouco erguidas dando-lhes um perfil impertinente.

A cascata é um belo ponto. Uma ponte, talvez da década de 1930, cruza o rio formado pela queda e tem um ponto que foi construído para pic-nics e uma escada que desce para a piscina na base da cascata. Parte (longitudinal) da ponte desabou e só pedestres podem passar. Continuamos, encontrando um grupo de quatro Onychognathus nas copas próximas. Toquei a voz da forma continental e fui solenemente ignorado. Hmmm……

A estrada acaba em uma roça (acho que se chama Zampalma) onde a bela casa-grande está caindo aos pedaços, transformada em um cortiço, o mesmo sendo verdadeiro para as antigas casas de empregados e armazéns. Segunda consta, o conceito de manutenção de imóveis nunca foi dequadamente assimilado, talvez porquê os edifícios na realidade pertenciam (pertencem ?) ao governo.

Jantar no Filomar. Uma ótima “barriga de andala” (não são os guts). Recomendo.

18/jan – Fomos explorar a costa sul da ilha, além de Santana. É a terra dos Angolares, o equivalente local dos quilombolas e que deram muito trabalho aos Portugueses durante o período colonial, como a famosa rebelião de escravos do Rei Amador (eventualmente enforcado e esquartejado. Hoje está nas notas de dobras). O arranjo com as autoridades coloniais acabou sendo o de que se tornariam fornecedores de peixe salgado para alimentar os trabalhadores das plantações.

No caminho passamos pelas instalações da Voice of America (que trasmite daqui para a África). No grande gramado alguns Bubulcus, uns três Numenius phaeopus e, o que me fez parar, o que se revelou uma Egretta intermedia. Parece ser o primeiro registro para STP. He, he, he.

Também um macho de Vidua macroura tentando seduzir uma fêmea não muito a fim, voando em sua frente e exibindo a cauda. Nos capinzais ao redor Euplectes hordeaceus e Estrilda.

Continuamos, passando por Santana, Água Izé e Ribeira Afonso, parando em uma praia que acho ser a Colônia Açoreana. Cruzando a faixa de coqueiros e capim coalhada de buracos de caranguejos (incluindo um muito parecido com nosso guaiamum, mas amarelado) e Euprepes, e imediatamente vi um Alcedo pousado junto ao riacho que deságua na praia. A foto mostra porquê pertence o grupo cristata. Logo notei que era um casal.

Na praia encontramos muitos sand-dollars com margens recortadas, como nunca vi no Brasil. Na costeira um Actitis hypoleucus. A praia é limpa e deserta. Adiante, junto a uma vila, muitos Columba malherbii nos coqueiros e árvores próximas. Incrível a diferença em abundância em comparação com julho.

Continuando, passamos pela praia onde deságua o rio Aguobó, com areia preta vulcânica e chia de detritos de coqueiros. A foz do rio tem uns 20 m de largura e águas verdes muito claras. Dá para ver o fundo. Vimos nosso primeiro Phalacrocorax africanus e o par local de Alcedo. Muitas Prinia cantando e Milvus voando sobre toda a área, dois pousados na estrada bebendo de poças.

Com um calor atroz e sob sol, paramos na ponte sobre o rio e fui matar a curiosidade sobre os peixes de água doce locais. Em ilhas oceânicas as espécies tendem a ser derivadas de ancestrais marinhos e em STP não é exceção. A espécie mais comum é um gobídeo Lentipes bustamanteae, endêmico de ST (parece). A cor é bem variável, indo de oliváceo a um padrão com faixas amareladas longitudinais. O focinho curto e redondo e lábios enormemente extensíveis ajudam a raspar as algas das pedras. É abundante, com 2 ou 3 por m2 nas áreas com pedras. Os machos (escuros) erguem a nadadeira orsal, com raios muito alongados, marcando território. Menos comum é Awaous lateristringa, que parece preferir as áreas com areia.

Também vi um goby minúsculo cor de areia com faixas escuras longitudinais e dorsal laranja. X-file. E um amborê que se ocultava entre as pedras. Outro X-file. Fora isso alguns Lutjanus sp., um cardume de carangídeos xaréus-like e, na foz do rio, muitos Mugil. A lista de peixes de água doce de ST (http://fish.mongabay.com/data/Sao_Tome_and_Principe.htm) lista só seis espécies, e não inclui algumas que vi. Meu colega Longtong prendeu a usar snorkel e máscara, e a boiar usando-os. Nada mal para que não sabe nadar.

Seguindo, passamos por São João dos Angolares e a cabeça (em madeira) commorando o Rei Amador, a versão local de Zumbi, e seguimos até o rio Iô Grande, o maior da ilha. Há um projeto (no limbo) de construir uma hidrelétrica ali e o governo local tentou vender a idéia para a Odebrecht (que é rainha em Angola).

Da ponte contamos 32 Phalacrocorax africanus, uma Egretta gularis escura, seis Butorides, um Numenius phaeopus (que mergulhava o terço anterior na corredeira pescando algo) e uma Egretta branca com pés amarelo-vivo, loros esverdeados e bico com tom rosado. Estranho…

Na margem próxima à ponte havia dois juvenis de Alcedo, com a plumagem anegrada típica de thomensis, bem distinta das formas de Príncipe  do continente. As margens do Iô são ocupadas por touceiras de bambu e extensas roças onde pasta gado. Uma raça pequena, que lembra os touros de corrida, mas na maioria vermelhados.

Voltamos para Angolares e fomos ver como era a Roça São João www.ecocultura.st/index.htm . Os dois edifícios principais da velha plantação (cercados de cafeeiros) foram restaurados e funcionam como pousada e restaurante. Decidimos almoçar ali e realmente vale a pena. O drink local de cachaça, mel, canela e maracujá, uma seqüência de entradas (polvo, búzios do mar, banana com baunilha, salada de batatas com abóbora) seguida por peixe com banana-pão e fruta-pão. Muito bom. O toque deprê é o mona preso.

Terminamos o dia nos arredores do aeroporto observando aves de áreas abertas. Vários Euplectes hordeaceus, albonotatus e aureus em display, também Ploceus velatus, Vidua macroura e Estrilda nas touceiras de colonião. Em uma área cimentada onde brotam touceiras de capim grupos do último, Lonchura, Serinus mozambicus e duas Coturnix bem observadas. Outras cantando ao redor.

19/jan – Deixamos o Hotel Avenida e fomos devolver o carro na Navetur. Fizemos uma hora e caiu uma chuva torrencial, que durou a maior parte da manhã. Às 13:30 fomos para o aeroporto esperar os colegas que chegaram no vôo vindo de Lagos. Que acabou atrasando e só chegou às 15:10. Enquanto esperávamos ficamos olhando as aves no entorno. Os mesmos bichos de ontem, de notável um grupo de 15 E. albonotatus voando juntos para a mesma direção (NW).

O grupo (Tasso Leventis, Stephen Rumsey e Phil Hall) chegaram, mas Nigel Collar não conseguiu embarcar em Londres por não ter o visto de trânsito nigeriano (…). Fomos direto para o hotel Marlin Beach nos instalar e, após o pessoal ver as primeiras Prinias e Cypsiurus ao redor da piscina, fomos para a Praia das Conchas ver os bichos de savana. Apesar do pé d’água na cidade, não choveu na área da praia.

Rapidamente encontramos os três Euplectes, e o aureus facinho do outro dia estava em posição. Bebendo água numa poça os primeiros (dois) Ploceus cucullatus confirmados da viagem. E únicos. Os habituais MilvusEstrilda, assim como os primeiros Agapornis, Anabathmis, Z. lugubris e Tersiphone do grupo, incluindo uma fêmea com filhotão do último sobre os pequenos cajueiros plantados em mio o capim. De notável muitas Coturnix cantando, e consegui atrair um macho e uma fêmea com play-back para Tasso fotografar. Na saída um Alcedo no mangue, onde umas 20 Egretta gularis (uma escura) estavam pousadas para dormir, e um Numenius e seis Actitis hypoleucus tomando banho na foz de um os riachos que drenam para a praia. Missão cumprida, voltamos ao hotel.

20/jan – No dia seguinte subimos a montanha para ver os endêmicos mais comuns no Jardim Botânico e na trilha para Lagoa Amélia. Martim, Rita e Andréa nos recepcionaram, assim como um par de Onychognathus fulgidus se alimentando na grande Cecropia ali plantada, e um grupo de Zosterops feae. Dois dos endêmicos chatos de fotografar já ticados. O pessoal estava capturando aves para anilhar e retirar amostras para análise genética. Dois Turdus olivaceofuscus estavam nas bolsas para exame. Começamos a caminhar e vimos (mal) os Treron e outros Turdus na figueira do outro dia. Muitas Aplopelia, Chrysococcyx e Columba malherbii cantando, alguns vistos. Em uma grande clareira com grandes árvores que sobraram da antiga floresta, uns 12 Zoonavena permitiram observação perfeita graças à luz e o contraste com a floresta. Também observamos Prinia, pencas de Anabathmis, Z. lugubris, os primeiros Serinus rufobrunneus do grupo. Finalmente entramos na mata e achamos os primeiros Ploceus sancithomae, mas o tempo começou a virar. Ouvimos o primeiro Oriolus do dia, mas não feio no play-back.

O segundo, logo depois, colaborou mais e foi fotografado. Bem na hora, pois começou a chover forte, e ficou mais forte ainda. Fizemos uma marcha forçada até o abrigo na borda da Lagoa Amélia. A trilha virou um riacho equanto o céu desabava. Fizemos hora ali, procurando em vão pelos Columba thomensis nas árvores ao redor. Com a chuva mais leve pegamos a trilha nova, vendo mais dos endêmicos comuns e espantando várias Aplopelia. Paramos m um ponto para senta-e-espera e depois de um tempo fomos recompensados pela rápida visão de um Dreptes thomensis no sub-bosque. Ufa ! Retornamos checando as figueiras atrás os C. thomensis, mas só ouvimos o bicho cantando. Paramos no abrigo para um lanche, Tasso ficando para trás para fotografar um Ploceus thomensis no ninho. O bicho é bizarro. Se comporta como um Philydor ou um arapaçu.

Com o tempo mantendo-se ruim voltamos ao Jardim Botânico, onde o grupo comprou seus souvenirs, e descemos para a cidade sem parar para ver os Ploceus grandis. À noite, jantar de PR com os parceiros locais no Filomar.

21/jan – Após o café fomos para o terminal doméstico do aeroporto, um edifício estilo 1950. Embarcamos para Príncipe às 08:00 e chegamos em 45 minutos. Pietro, gerente do Bom Bom, nos deu as boas-vindas e rapidamente fizemos o translado. No caminho já vimos os primeiros ndêmicos, Ploceus princeps e Lamprotornis ornatus. Horizorhinus canta por toda parte e Stephen viu o primeiro exmplar do Alcedo endêmico. Instalamos-nos e às 10:00 estávamos em uma das lanchas navegando rumo às Ilhas Tinhosas. Estas ilhas estavam na minha lista de lugares a visitar a muito tempo, pois são as principais colônias de aves marinhas da África Ocidental. FINALMENTE !!! Antes de partir olhamos os jardins ao redor e consegui observar decentemente, pela primeira vez, uma fêmea de Anabathmis hartlaubii. Parece uma versão reduzida de Dreptes, especialmente o formato e padrão da cauda.

 

 

 

As Tinhosas (Pequena – com um stack, à direita – e Grande) são algo à parte. Nada de vegetação, mas a superfície é bem irregular. Cobertas de Anous fuscatus, A. stolidus e, principalmente Sterna fuscata. Também Sula leucogaster (os filhotes são apanhados pelos pescadores como alimento) e só um par de Phaeton lepturus na Tinhosa Pequena, esses com cauda amarela, diferentes dos nossos. Na mesma ilha havia um Anous stolidus lutino e uma Sterna anataethus, que é bem mais rara que fuscata. De brinde fizemos os primeiros registros documentados de Arenaria interpres para Príncipe, uma em TP e dois grupos (4+4) na TG !

 

 

 

 

O Anous stolidus lutino da Tinhosa Pequena (acima) e um dos Phaethon lepturus vistos na mesma ilha.

 

 

 

 

Sterna anathaetus (esquerda), e Sterna fuscata nas Tinhosas. Estima-se que a população da última é superior a 100 mil aves.

O Bom Bom é um resort absurdo, que mira no top end, e pertence ao mesmo grupo que hoje explora resorts nos parques do Gabon. O gerenciamento é feito por expatriados, como o gerente Pietro, sul-africano. Ficamos em cabanas espaçosas estilo tropical com direito a sabonetes  creme hidrante franceses. Definitivamente uma boa compensação por ralos anteriores. Na passarela ligando o complexo com o ilhéu Bom Bom, onde está o restaurante, vimos um Alcedo c. nais pescando a partir das rochas, e as Egretta gularis locais, que aqui tendem a ser bem escuras e ter os encontros das asas brancos.

Após um belo almoço, com destaque para wahoo (nossa cavala-rainha Acanthocybium solandrei) grelhado, um dos melhores peixes que já comi, fomos explorar a estrada de acesso ao resort, que cruza velhas cabrucas abandonadas. Não demorou para encontrarmos os primeiros Horizorhinus e mais Anabathmis. Lamprotornis é muito comum, mesmo abundante, Ploceus um pouco menos. Estes estavam construindo ninhos nos coqueiros o hotel, e detectei um ninho com filhotes pelo pedinchar. Em julho também observei ninhos em construção e acho que a temporada reprodutiva é longa e, provavelmente, mais de uma ninhada é produzida. Algumas grandes figueiras carregadas com pequenos frutos tinham grupos da forma local de Treron calva, que parece ser comum. Milvus, Cypsiurus e Apus affinis voando sobre a área, os últimos nitidamente menores que os de São Tomé, algo que merece mais estudos.

Depois de um tempo encontramos dois Alcedo e, finalmente, um Halcyon. Embora considerado uma subespécie, o padrão de cor é diferente da forma continental, com muito mais azul nas partes inferiores e a voz é mais melodiosa, com uma variação que lembra um Turdus. Fechamos com um Dicrurus modestus, que como de praxe acompanhava um grupo de Ploceus.

Assim, só faltaram os dois Zosterops (um era Speirops), o Turdus e a misteriosa Otus (nunca vista por um ornitólogo) para zerar os endêmicos locais, se considerarmos a taxonomia mais recente. De brinde vimos alguns casais de Psittacus erythacus. A população de Príncipe é geneticamente um enxame híbrido das formas das florestas do Congo e da Upper Guinea, talvez resultado de introduções humanas. Um, muito manso, é o pet do resort. Fenotipicamente os bichos observados parecem a forma nominal.

Para o jantar, o cozinheiro do resort, Saju (que é hindu), preparou um ótimo churrasco de frango e peixe (wahoo again) no tandoori. Ótima forma de terminar o dia.

22/jan – Tendo combinado antes com o pessoal do resort, o transporte partiu pouco depois das 06:00 rumo a Oquê-Pipi, o point para ver o Turdus xanthorhynchus recomendado por Martim Melo. Passamos pela capital Santo Antonio, que poderia ser uma cidadezinha no sul da Bahia, as vilas de Nova Estrela e Terreiro Velho, passando por Streptopelia senegalensis na estrada e uma serpente marrom que não conseguimos apanhar. Obviamente houve um problema e Ramos, nosso guia-motorista, não sabia como chegar a Oquê-Pipi depois de passarmos por Terreiro Velho e paramos para apanhar um novo guia, Neves, pois o único guia local que leva bird-watchers (Bikegila) não estava em casa e não o encontramos.

A parada na casa de Neves nos proporcionou os primeiros Zosterops (antes Speirops) leucophaeus, numa jaqueira junto da casa do sujeito. Continuamos após Terreiro Velho (por sinal, sede da plantação dos Corallo, os mestres o chocolate) até o ponto onde a estrada (sort of) ficou mais estreita e estava bloqueada por uma árvore caída.

Começamos a caminhar através de uma trilha seguindo a curva de nível cortando uma cabruca implantada em terreno bem íngreme e com enormes Ceiba, rumo ao rio Pipi (segundo Neves), com muitos Lamprotornis, Ploceus e Chrysococcyx. Consegui chamar um dos últimos com play-back. Logo vimos grupos com 15-20 Z. leucophaeus procurando comida nas flores das Erythrina. Parece bem mais gregário que lugubris, de ST. O ponto alto foi um ralídeo que saiu voando da borda da trilha e pousou encosta abaixo, sumindo no capim alto. Toda a cara de um Crex egregia, mas para mim parecia ter duas faixas longitudinais brancas nas costas, lembrando o padrão de um Gallinago. Há pouquíssimos registros da espécie nas ilhas e o status é incerto.

Caminhávamos devagar, porquê o grupo não era o mais atlético e Tasso tentava fotos de todas as aves no caminho. E acabamos alcançados Bikegila, trazido pelo motorista, que finalmente o encontrou. Foi providencial, pois estávamos para pegar a bifurcação errada. Logicamente o primeiro guia não conhecia Oquê-Pipi. Pegamos uma trilha ascendente a partir da estrada-trilha para o rio Pipi, seguindo os tubos que abastecem as vilas com água. Logo uma árvore caída foi um obstáculo que fez Phil optar por ficar para trás. Adiante havia outras duas que quase fizeram Stephen desistir. Ao longo do caminho, que corta a floresta, não cabrucas, muitos Horizorhinus e a voz de Psittacus sobrevoando a área e comendo nas copas.

Demos de cara com um Halcyon pousado em uma pedra, quebrando um caracol terrestre de concha bem alongada e com uns 15 cm (Columna columna, endêmico). Fotografei a bigorna. Tasso fez fotos do bicho e seguimos ao longo de um trecho onde os antigos canos de metal da captação também haviam sido usados para quebrar a mesma espécie de caracol, um Achatina bicarinata (endêmico de ST & P) e um caranguejo, com outras três bigornas ao longo do caminho. É interessante que no início estas bigornas foram atribuídas a Turdus xanthorhynchus – rendendo uma nota sobre sua “redescoberta” – e só depois descobriram que Halcyon era o responsável. Os bichos do continente não parecem ter este comportamento.

A trilha dá na captação de água que abastece as vilas abaixo, um muro conduzindo a água para um cano, que á em um filtro de areia de onde saem às tubulações. Uma grande serpente marrom, com quase 2 m, estava junto à caixa do filtro de areia, e se escondeu em uma cavidade. Provavelmente Boaedon lineatus bedriage (Colubridae), endemismo das duas ilhas.

Prosseguimos ao longo do riacho, em um cenário que poderia estar na Mata Atlântica do sul da Bahia (poucas bromélias, dendezeiros, árvores bem altas). Muitos Lamprotornis vocalizando, alguns Psittacus voando e também chamando do alto das árvores mais altas e também a estranha voz tipo sabiá dos Halcyon. Com alguma dificuldade vimos algumas Aplopelia. O número de aves parece menor aqui do que nas roças. Continuamos caminhando pelo terreno irregular, passando pelo acampamento de Martim Melo e depois por um riacho. Encontramos vários Achatina bicarinata – que nunca vi em São Tomé – que Bikegila queria levar (o povo aqui gosta de comê-los), mas eu disse que o grupo não gostaria disso. E nada dos Turdus, embora eu tentasse o play-back com a voz do bicho de São Tomé. O mesmo com a voz da “Otus princeps” fornecida por Martim Melo. Duas razões para voltar.

Uma coisa interessante é que os Psittacus têm uma voz muito parecida com a da coruja-fantasma, pelo menos com as gravações que Martim nos cedeu. Ouvimos esta voz várias vezes tanto na área do Turdus como no retorno.

Com o grupo cansado e Bikegila dando estimativas crescentes de quanto tempo faltava para atingir um local onde poderíamos ver o Turdus, resolvemos voltar. Mas antes encontramos uma serpente verde com língua azul Gastropyxis principis, que tentou se camuflar mantendo-se imóvel em meio a uma touceira de ciperáceas (como as que vemos em partes da Mata Atlântica).

Eu e Stephen vimos uma ave amarronzada se movendo na copa mas foi muito rápido para que pudéssemos fazer uma identificação positiva como um Turdus ou o que fosse. Os Turdus parecem ser curiosos e se aproximam das pessoas, a melhor técnica para observa-los sendo montar acampamento e esperar. Ou seja, não encontrá-los significa que ocorrem em baixas densidades.

Na volta uma arvoreta onde Horizorhinus, Serinus e um grupo de Z. leucophaeus comiam pequenos frutos vermelhos, rendendo boas fotos para Tasso. É interessante como os Serinus rufobrunneus de P parecem mais solitários, com cor mais canela-vivo e bicos mais robustos omparados aos de ST. Em meio aos Z. leucophaeus tivemos a impressão de ver um pássaro marrom, mas não conseguimos observa-lo direito. Poderia ser um Z. ficedulinus, endêmico de P. e incomum.

Descendo ainda mais encontramos Phil depois das árvores caídas, feliz por ter observado um Zosterops ficedulinus, um Drongo, grupos de Ploceus tomando banho em uma poça e várias Aplopelia.

Voltando pela estradinha cortando a cabruca novamente vimos muitos Ploceus, Lamprotornis, Apus, Aplopelia e Cypsiurus. Tive a impressão de ver, através das copas, um Falco de tamanho médio planando, mas não consegui observar direito. Poderia ser um pombo em display, mas o sifonáptero ficou atrás do pavilhão auricular. Bikegila matou uma caranguejeira (“tarântula”) que estava no caminho, que seria perigosa. O pessoal aqui não têm a convivência mais pacífica com os bichos. Como por aqui.

Ramos estava nos aguardando com sanduíches e bebidas. Lanchamos, pagamos Neves e Bikegila e rumamos de volta a Bom Bom, com uma parada na “praia” de Santo Antonio, na realidade a foz do correntoso rio Papagaio. Ali encontramos duas Tringa nebularia, com suas características cauda e costas brancas, e um Numenius phaeopus. T. nebularia parece ser um migrante incomum no arquipélago e Tasso fez boas fotos. Milvus parasitus é bem comum por ali, aproveitando os descartes da pesca.

Com todo mundo quebrado decidimos ter a tarde livre, cada um optando por morgar ou passarinhar nos arredores do hotel, que tem trilhas para isso. Fui fazer snorkeling, bem melhor que em Noronha. As rochas vulcânicas são revestidas por algas calcárias roxas, esponjas corais-baba Palythoa, corais pétreos (acho que Favia, Mussismilia – tanto tipo érebro como em cálices –, Montastrea e Siderastrea) e, nas áreas mais fundas, pequenas gorgônias negras. Consta que as ilhas são um hotspot para peixes recifais Encontrei um arco de rocha à esquerda do ilhéu, a uns 6 m de profundidade, com muitos corais verdes tipo Mussimilia hartii na parte inferior.

Havia muitos peixes desconhecidos para mim. Olhando o guia de H. Debelius (1998. Guia de peces del Mediterrâneo y Atlântico. M&G Difusion) identifiquei Tylosurus crocodilus, Holocentrus adscensionis (nas tocas), Myripristis jacobus, Fistularia tabacaria, Cephalopholis taeniops, Epinephelus adscensionis, Anthias anthias, Paranthias furcifer (comum), Apogon imberbis, Malacanthus cruentatus (nas tocas), cardumes de Pseudocaranx dentex, Caranx sp., Lutjanus goreensis, Parapristipoma humile, cf Mullus surmulentus, Kiphosus sectatrix, Holacanthus aficanus (cool !), Chaetodon robustus, C. striatus, Abudefduf saxatilis e Bodianus saxatilis (velhos conhecidos do Brasil), Chromis multilineata, Stegastes imbricatus, Bodianus speciosus, Thalassoma pavo (os jovens são os peixes limpadores de lá), Scarus hofleri, Sparisoma rubripinne, S. cretense (vi um macho, duvidoso segundo a lista da ilha), Acanthurus monroviae, Prionurus biafraensis, Alutherus scriptus, Catherines pullus, Acanthostracion notacanthus e Melichtys niger (o “pufa” de Trindade, também não confirmado para as ilhas).

À noite tivemos um genial churrasco na praia à luz de fogueiras e tochas. Nada mau.

23/jan – Às 7:00 fomos tomar nosso café da manhã. O restaurante tem mementos da guerra napoleônica, incluindo um cartaz de recrutamento da British Navy hilário na forma como descreve os franceses que pretendiam violar as donzelas britânicas. Às 8:00 a jardineira nos levou para o aeroporto para pegar o vôo das 9:00 no Brasília de 12 lugares de volta a S. Tomé. Chuvisco no caminho. Assim que chegamos notamos um Whinchat Saxicola rubetra, com peito moteado de escuro indicando ser um juvenil, pousado nos fios de sustentação de uma antena de rádio. O único registro anterior para ST&P parece ser um espécime coletado em Santo Antonio em 1865.

Após fazer o check-in fomos olhar o que havia nos arredores da pista (cobertos por capim-colonião) e subitamente vimos quatro Anthus voando sobre a pista. Não possuíam retrizes externas obviamente claras nem costas marcadas, as partes inferiores sendo obviamente amareladas. Phil os identificou como A. leucophrys. As mesmas aves foram melhor observadas quando o avião pousou, os espantando. Também vimos muitos Estrilda e Lonchura fringilloides nos capinzais.

Partimos às 9:45, atrasados, pousando em ST às 10:20. Guitola, nosso contato na Navetur, nos encontrou no aeroporto. Para adiantar as coisas fui com Guitola pagar a taxa de saída do pessoal, assim evitaríamos filas no sábado, quando eles partissem. Nesse meio tempo o grupo encontrou os três Euplectes, mais Milvus, Coturnix, Estrilda e Lonchura nas áreas abertas ao redor do aeroporto.

Do aeroporto fomos à Navetur organizar nossa bagagem e ao Café & Companhia para um lanche. É um dos lugares mais ajeitados em São Tomé. A maioria pediu hamburgers, que estão entre os melhores que já comi em qualquer lugar. Na lanchonete também havia um casal de repórteres (ele americano, ela portuguesa), que vieram cobrir a nova iniciativa americana (Millenium Initiative ou coisa assim) no Golfo da Guiné, traduzida em um destroyer ancorado fora da baía. Aparentemente os americanos querem melhorar as relações com os países da região, logicamente por conta das reservas de petróleo.

Às 13:30 saímos com destino a Ribeira Peixe, o motorista Nilo conduzindo o Land Cruiser da Navetur ao longo da estrada que margeia a costa sul. Paramos no Iô Grande para ver os Phalacrocorax africanus (dezenas), Egretta gularis escuras e uma Egretta com loros verdes, bico rosado e pernas pretas. Nunca vi isso antes, lembra uma Ardea alba em reprodutivo.

Chegamos na plantação de palma da MOLVE (o mega dendezal estatal) às 15:00, onde Antonio e Sidnei, os guias da Monte Pico, nos aguardavam na boca da trilha. Antonio já havia me acompanhado na viagem passado. Os dois ralaram para carregar a carga toda (não foi falta de avisar que haveria um bocado a levar…), mas às 16:45, graças a Antonio ter escolhido um caminho direto, estávamos no acampamento, onde nos esperavam Andréa, que já havíamos encontrado em Bom Sucesso, e Pedro Leitão, que também conheci na viagem passada. No caminho passamos pelas ruínas da Roça Monte Carmo, que marcam o início da subida. Muitas plantas de jardim, incluindo as “comigo-ninguém-pode” estabeleceram populações ferais na área.

Durante a caminhada ouvimos muitos Dreptes e Columba malherbii cantando, além de algumas Aplopelia. Fiquei no fim da fila, com Tasso e Longtong, sendo recompensados quando Longtong encontrou um Columba thomensis no alto de uma emergente. Parece ser o primeiro visto em Ribeira Peixe. No acampamento uma emergente com galhos secos era um pouso favorito para um grupo de Onychognathus. Conforme escurecia começamos a ouvir as Otus hartlaubi cantando. Tentei o play-back, mas só consegui resposta vocal, até que pelo menos quatro cantavam ao redor do acampamento. Para fechar o dia, pudemos ouvir pelo menos três Bostrychia bocagei cantando no crepúsculo.

Perguntei a Antonio se não iria cobrir as barracas com o “cerado” (lona plástica) que haviam trazido. As resposta era que, com o vento que estava, não iria chover. Para completar a invocação da Lei de Murphy, Phil comentou que o tempo estava excelente e podíamos ver as estrelas.

Obviamente caiu uma bela chuva durante a noite. Minha rede de selva começou a pingar e esta foi a gota d’água. Ela ficou por lá. O pior foi a barraca de Phil e Longtong acabar inundada, enquanto Pedro roncava como um rinoceronte.

24/jan – De manhã cedo o espírito não estava dos melhores, graças ao relaxo dos guias e o acampamento ter se transformado em uma poça de lama. Longtong e Phil passaram para a barraca dos guias, e estes ficaram na inundada. Felizmente as barracas de Stephen e Tasso sobreviveram sem problemas.

Andréa foi em busca dos seus Zosterops lugubris para um lado e nós fomos procurar os Bostrychia para o outro. O começo foi lento, sem nada interessante até Longtong achar uma Otus fase ruiva, muito molhada, pousada a uns 2,5 m de altura. Isso melhorou a moral da tropa.

Quando entramos na clareira do acampamento que usamos em agosto passado, e que parece ter sido usado depois disso por outros birders, vimos o primeiro Bostrychia voando do solo para uma árvore próxima, permitindo as primeiras observações. Depois de caminhar um pouco mais um par de íbis também voou do chão, permitindo melhores observações. O mesmo se repetiu depois de algumas centenas de metros. Tasso, Longtong e Antonio foram atrás dos bichos, e fiquei para trás com Stephen e Phil para não atrapalhar. Comentei que era a situação perfeita para a Lei de murphy funcionar, pois eu estava sem minha câmera e a luz estava perfeita com a saída do sol. Quinze segundos depois um dos íbis voltou e pousou em um galho iluminado pelo sol, posando para nós…

Tasso conseguiu as fotos que queria no retorno ao acampamento, quando outro íbis voou do chão e pousou em um galho parcialmente no sol. São as melhores fotos da espécie que já vi. Bostrychia bocagei é marrom-tabaco, o bico sendo marrom com o terço final avermelhado. O flash distorce as cores. As asas têm a iridiscência violeta e verde das asas de um Hadada. As figuras nos guias não fazem jus ao bicho, para não dizer que estão erradas.

De volta ao acampamento tomamos nosso café da manhã com os ânimos mais elevados. Os demais guias já haviam aberto o “cerado” sobre as barracas. O problema é que fizeram isso esticando-o sobre varas e quando começou a chover de novo (lógico que não teríamos moleza) a água começou a acumular de forma alarmante. Os guias tentaram resolver isso com mais varas. Alarmado com o desmatamento excessivo, intervi e pedi que esticassem uma corda entre duas árvores nos extremos da clareira e jogassem o “cerado” sobre a mesma. Bastou esticar os quatro cantos e o problema foi resolvido.

Com a chuva ficamos atolados (em vários sentidos) no acampamento, perdendo a saída entre o “pequeno almoço” e o almoço. Mas Tasso conseguiu fotos de uma fêmea de Tersiphone construindo seu ninho junto da “cozinha”. Depois deste, e com o tempo não muito firme, seguimos encosta acima atrás dos Anjolôs (Neospiza – agora Serinusconcolor) e Picanços (Lanius newtoni).

Caminhamos pirambeira acima e encontramos uma Otus sendo mobbed por um par de Tersiphone. O “Quitolí” tem asas evidentemente longas, sugerindo um predador aéreo (caça morcegos ?), e permitiu boas fotos. Também encontramos vários Columba malherbii e um Treron permitiu boa observação, a melhor até agora. Tentei as vozes do Neospiza e do Lanius, mas nada.

Chegamos a um ponto a 525 m de altitude, onde três Dreptes se alimentavam nas flores de uma Symphonia, por sinal árvore comum ali. Sem as estrelas do show se dignando a aparecer, começamos a voltar, eu no fim da fila e ficando deprimido. Quando chegamos a 515 m uma ave amarronzada pousou baixo em uma arvoreta a uns cinco metros. Quando olhei através do binóculo vi o bico branco e gritei “I have a Grosbeak”. As aves vocalizavam entre si, pios simples facilmente imitados com assobios, que eles respondiam. Rapidamente toquei o play-back atraindo um par de Neospiza, que pousou muito próximo, sendo devidamente degustado por todos e rendendo boas fotos feitas por Tasso. Um deles estava comendo a semente de um pequeno fruto verde, tipo Trema.

O canto é um pio bissilábico como o de um Serinus rufobrunneus que abusou de esteróides. O play-back que usei foi feito na viagem de 2007, sem que eu conseguisse ver o bicho, e está no Xeno-canto. Nesta viagem a resposta dos bichos confirmou a identidade do artista na gravação. É interessante que o bicho tem um bico esbranquiçado, como um bicudo Sporophila maximiliani, e na cor e jeitão lembra muito o Serinus de Príncipe.

Com isso ganhamos o dia e voltamos alegres para o acampamento. Ao chegar Sidnei e Pedro disseram que o “Picanço” havia cantado ali perto. Me animei a descer até o riacho no fundo do grotão para um banho, e tentar os Lanius, mas nicas. Só camarões no riacho. O tempo melhorou e não choveu à noite, quando as Otus voltaram a cantar.

25/jan – Por incrível que pareça amanheceu sem chuva e com sol. A noite foi bem clara, com a lua cheia iluminando tudo. O ninho de Tersiphone junto à cozinha está sendo construída por um casal, mas só vimos o macho uma vez. A fêmea trabalha bem mais… é uma tigela rasa construída co material felpudo na forquilha de uma arvoreta, a uns 2 m de altura.

Descemos em direção ao grotão adjacente ao acampamento atrás dos Lanius. Tentei o play-back várias vezes, mas nada. Vimos os endêmicos comuns, além de um Phaeton lepturus voando alto e um par de Ploceus grandis se perseguindo (corte ?). Seguindo riacho acima acabamos encontrando nosso primeiro Amaurocichla da viagem pulando sobre galhos baixos debruçados sobre a água. Embora inquieto e meio arisco, acabou se aproximando atrádo pelo pishing.

Apesar do Fiscal não ter colaborado, voltamos ao acampamento para empacotar as coisas e voltar para o ponto de encontro, encontrando uma serpente Boaedon lineatus. Muito tranqüila, e bem camuflada no solo.

Apenas no acampamento os guias perceberam que teriam que carregar muito mais coisas que esperavam… Com as coisas empacotadas, dei adeus a minha rede, depois de 10 anos de serviços (Antonio ficou com ela), e nos pusemos a andar Na descida encontramos um Bostrychia e um casal de Amaurocichla que foi melhor visto e deu um show para o grupo. Desta vez a espécie pareceu menos comum do que em agosto passado.

Pedro nos levou por um zigue-zague muito mais longo que o da vinda e levamos 2:30 para sair na estrada, o dobro do que levou para chegar no acampamento. Ainda por cima queria que parássemos em um ponto que obviamente não era o ponto de encontro. Fui caminhando na frente, deixando o sherpa sem bússola para trás, e saímos na estrada principal da MOLVE às 11:30, quando deveríamos encontrar o carro às 10:30. Felizmente Nilo chegou 10 minutos depois e foi buscar os sobrecarregados Antonio e Sidnei, que desceram com Andréa.

Com as bagagens no reboque e todos compactados no Land Cruiser zarpamos em direção a Porto Alegre, no canto sudoeste da ilha. No caminho passamos pelos manguezais do rio Malanza, que é parcialmente represado pela estrada.

Porto Alegre foi uma mega-plantação de copra, com grandes edifícios rodeados de palmeiras imperiais sob o olhar da casa do proprietário, no alto de uma colina próxima. A maior parte dos edifícios está arruinada, embora uma placa indique que serão restauradas. Curiosamente há o chassi e lagartas de um tanque de guerra abandonado ali. Como nas demais roças, as pessoas às quais as casa foram entregues pelo Estado após a independência nada fizeram para mantê-las. Manutenção preventiva parece ser um conceito que muitos não têm.

Depois de passar pela recepção do Jalé cruzamos os coqueirais e uma antiga pista de pouso margeada por capim-colonião e uma plantação abandonada de llang-llang, árvore que produz uma essência usada em perfumaria. Parece que um grupo francês bancou o projeto, que acabou largado. No caminho também algumas áreas meio mangue, com Hibiscus e muitos caranguejos.

O Ecolodge na praia Jalé é formado por três chalés, um refeitório, uma cozinha e um par de banheiros externos, tudo construído com troncos de coqueiros. É um daqueles projetos de base comunitária, então a gestão é meio complicada. Está em um lugar interessante, mas não tem eletricidade e quando chegamos não havia água. A bomba manual que leva água às caixas estava quebrada e levou um bocado de tempo até aparecer alguém que consertasse o negócio e pudéssemos nos lavar.

A parte chata é que os guias que vieram conosco de Ribeira Peixe não cogitaram que iríamos precisar do carro para nos levar ao Mangrove Tour – a uns 5 km de distância – depois do almoço. Imaginaram que o carro nos deixaria e eles retornariam a São Tomé, nosso grupo se virando a pé. Por conta deste detalhe tanto eles como Andréa tiveram que esperar liberarmos o carro.

Esperando o carro voltar de Porto alegre para nos levar ao Malanza, fui investigar os arredores. Uma Egretta gularis escura procurava comida na praia, onde havia ninhos recentes e rastros de tartarugas marinhas, que fazem a fama de Jalé. Um Sula leucogaster também apareceu. Nos capinzais próximos encontrei bandos enormes de Estrilda e um par de Quelea quelea, os meus primeiros para a ilha.

Depois de instalados, almoçamos (peixe, bananas cozidas e fritas, fruta-pão) e fomos ao rio Malanza para o “Mangrove Tour”. Embora seja anunciado como um passeio em canoas nativas através dos manguezais do rio Malanza, quando chegamos lá nos aguardava um barquinho quadrado, feito de fibra de vidro, com no máximo 2m2 e dois remadores. Os caras queriam enfiar nosso grupo inteiro ali, impossível se alguém queria ver algo que não fosse a nuca do companheiro. Estourei com o velho que era o chefe e exigi um novo barco. A desculpa é que o outro estava quebrado e a Marapa (a ONG que fomentou o projeto) não havia consertado. Eu disse que então não iríamos fazer o passeio e estava saindo do barco quando a turma do deixa disso disse que voltaria ao Jalé observando aves no caminho.

Se alguém se animar a fazer o Mangrove Tour, deve se lembrar de garantir com sua agência de turismo de que não haverá mais de duas pessoas por barco. Não caia na ratoeira em que caí.

No final ficamos Tasso, que ainda precisava de fotos do Alcedo local, e eu como intérprete, junto com os dois remadores. Que eram boa gente e rapidamente entenderam o que queríamos e posicionavam o barco para que Tasso fizesse as fotos.

O manguezal do Malanza é dominado por Rhizophora. O rio tem um trecho final bem largo, devido ao represamento causado pelo aterro da rodovia, que permite o fluxo de água apenas por uma passagem estreita. Muitos Cypsiurus e Apus affinis sobrevoavam o “lago” e tomavam banho nas águas escuras (muito tanino ali). Também vimos muitos Columba malherbii sobrevoando o manguezal e sobre os coqueiros que crescem nas partes mais secas ao redor. Endêmicos como Ploceus thomensis e Zosterops lugubris utilizam os manguezais como fazem nas florestas, mas o notável era o grande número de Chrysococcyx cupreus cantando, além de vários vistos. Além da voz habitual, muitos cantavam como se soluçassem forte no meio da canção. Muito estranho e nenhum de nós jamais havia ouvido isso.

Os Alcedo deram algum trabalho, mas depois de ver alguns cruzando o rio e sumindo no manguezal, encontramos um juvenil, caracteristicamente anegrado, que depois de algum tempo recebeu a visita de um dos pais, o que rendeu fotos interessantes. Também vimos um grupo de Monas, razoavelmente tranqüilos.

De volta ao Jalé, o crepúsculo foi agraciado com grandes grupos de morcegos frugívoros Eidolum helvum vindos do norte, em um espetáculo similar ao que ocorre em Príncipe.

Após o jantar à luz de lampiões (novamente peixe, bananas, fruta-pão, com jaca de sobremesa) o vigia nos disse que os guias viriam às 22:00 para ver se tartarugas estariam na praia, e nos chamariam se fosse o caso. Satisfeitos por não ter que ficar de plantão, fomos dormir.

26/jan – Como ninguém nos chamou acordei várias vezes durante a noite e em duas saí para ver se avistava algo suspeito na praia. Com a lua cheia iluminando tudo achei que veria algo. De manhã cedo fiquei desconsolado ao encontrar um ninho recente de tartaruga quase em frente a meu chalé. Bad timing.

Os guias que deveriam ter aparecido à noite estavam em um cercado próximo, onde os ovos retirados dos ninhos estão melhor protegidos, ajudando uma ninhada de Chelonia mydas a sair da areia. No fim soltamos algumas tartaruguinhas, em meio às desculpas do par de que não haviam sido avisados de que havia hóspedes.

Tomamos nosso “pequeno almoço” e caímos fora. Na saída cruzamos com dois sujeitos com roupas camufladas e espingardas, caçando pombos. O que obviamente não é o que você espera ver em um ecolodge e deixou todos aborrecidos. Ao parar na recepção (que fica em Porto Alegre) para pagar pelas bebidas e assinar o livro de visitantes, deixamos isso bem claro ao responsável pelo lugar, assim como o emputecimento pelo furo do guias que deveriam ter aparecido à noite.

Em retrospecto, ao invés de ter ido para o Jalé, deveríamos ter optado por um local com serviço profissional. Não valeu a pena.

O objeto de desejo para a saideira era Ploceus grandis, que Phil e Stephen não haviam visto. Durante a viagem fiquei atento, mas só encontrei dois ninhos. Paramos novamente na ponte do rio Iô Grande, onde a família de Alcedo que vimos em nossa primeira visita ao lugar estava a postos, para alegria de quem não foi no Mangrove Tour. No caminho chamou a atenção o número de vacas, uma raça de estoque europeu de pequeno porte, lembrando touros de corrida mas de cor marrom e ruça.

De lá rumamos para a Roça São João, em Angolares, para o almoço. Com algum tempo, Phil, Stephen e eu fomos explorar os arredores da “casa grande”, sobre uma colina que permite boa visão das copas das árvores do vale adjacente. Já voltado um Ploceus grandis decolou de uma das árvores mais altas, subiu quase na vertical, apanhou um inseto e voltou para o meio da folhagem… O bicho também banca o flycatcher.

O almoço seguiu o roteiro de nossa passagem anterior, com várias entradas, destacando-se as ovas de andala, e um prato principal de peixe. Se você não é adepto de peixe, terá problemas por lá.

 

A hospedaria da Roça São João, em Angolares, uma das poucas ainda bem conservadas.

 

27, 28 e 29/jan – Trabalhando no computador e colocando o sono em dia. Ficaram pendências no Brasil (argh !!!!). Ainda bem que o hotel tem wireless.

 

 

 

30/jan – Durante a manhã fui com Peter Jones, Phil Atkinson e Luis Mario Almeida visitar uma plantação de cacau orgânico no norte da ilha, além de Neves. Os endêmicos de praxe na área, com destaque para muitos Columba malherbii e Ploceus grandis, os últimos forrageando baixo em bananeiras. Na volta passamos na sede do projeto, em Ponta Figo, onde experimentamos os cocoa beans, prontos para serem exportados para a França. Deliciosos.

No retorno, dirigindo ladeira abaixo m direção à estrada principal, vimos uma caminhonete surgir no atrás de nós, se aproximar em alta velocidade e colidir em uma palmeira. Dois rapazes que estavam sobre a caçamba saíram voando. Um fez um rolamento e acabou com muitas escoriações e mancando. Outro bateu de peito contra algumas pedras do lado da estrada e parecia moribundo. Resumindo, prestamos socorro e levamos os acidentados ao hospital em Neves, mas não sei se o rapaz sobreviveu.

Organizei a bagagem, confirmei o transporte para o aeroporto amanhã e fui comprar o que o país tem de melhor (baunilha Monica Maw, café Jambo Corallo e chocolates Corallo – considerados entre os melhores do mundo. Compre um caixote !). Passando no “Parque das Nações”, vi um grupo de meninas ensaiando uma coreografia, nem imagino para quê, ao som de um batidão. E aí o alto-falante começou a entoar o inesquecível “vem dançar, vem dançar, o Tigrão vai te ensinar…”. Ilhas oceânicas podem ser refúgios para táxons extintos em outras partes…

Na CNN passa a história sobre o pessoal no Haiti comendo tortilhas de barro salgado e frito, porquê não conseguem pagar pó um prato de arroz. Colapso ecológico dá nisso. O Brasil ainda chega lá. Todo o grupo expatriado que resta (Martim, Rita, Phil, Peter e eu) jantou com Angus no boteco-in-the-box (na realidade um container) do Paraíso dos Grelhados. Comi um choco enorme e delicioso.

31/jan – Partida no vôo da TAP para Lisboa. Deveria ter saído às 07:00, mas partiu às 18:30. Deve ser contaminação da TAAG. Cheguei em Lisboa às 1:30 do dia seguinte para o início das férias na Espanha. Mas isso é outra história.

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