A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

ANTÔNIO SILVEIRA RIBEIRO DOS SANTOS
Juiz de direito em São Paulo. Criador do Programa Ambiental: A Última Arca de Noé (www.aultimaarcadenoe.com.br)


1. Patrimônio cultural, definição

A educação e a cultura estão intimamente ligadas, tanto que estes dois aspectos da sociedade encontram-se no mesmo Capítulo da nossa Constituição Federal, ou seja Capítulo III, do Título VIII, Da Ordem Social.

Consagrado como direito de todos e um dever do Estado, a educação deve ser promovida e incentivada com colaboração da sociedade (art.205, CF); quanto maior o grau de cultura de um povo, maior valor será reconhecido ao seu patrimônio cultural, daí porque a interligação entre uma e outra, observando que o Estado deve garantir também a todos o pleno exercício dos direitos culturais, bem como acesso às fontes e manifestações neste sentido (art.215, CF). Estas fontes e manifestações culturais que podem se expressar em bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, que

portam referências à identidade, ação ou memória dos grupos que formam a sociedade, constituem o patrimônio cultural brasileiro (art.216 da Carta Magna).

Incluem-se entre estes bens: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (incisos I,II,III,IV e V, do referido artigo).

Quanto aos sítios arqueológicos e paleontológicos, estão protegidos também pela Lei Federal 3.924, de 26.07.61, que dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos, protegendo as culturas paleo-ameríndias do Brasil tais como os sambaquis e inscrições rupestres, entre outros.

Como se vê a definição do que é o patrimônio cultural brasileiro é muito abrangente e ampla, constituindo-se de uma enorme gama de expressões e objetos ligados à cultura como um todo, estando inclusive incluída na legislação constitucional, principalmente.

2. Formas de proteção

Nos termos do art.32 da Constituição Federal, a União, Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm competência comum para, entre outras, proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis os sítios arqueológicos (III), bem como a União,aos Estados e o Distrito Federal podem legislar concorrentemente sobre proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (art.24, VII, Const.Federal).

Também cabe ao Município legislar sobre assuntos de seu interesse local e promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a ação fiscalizadora federal e estadual (art.30, I e IX, Const.Federal). Porém, por ter o patrimônio cultural brasileiro esta amplitude e extensão a sua promoção e proteção tornam-se difíceis, daí porque não deve ficar apenas nas iniciativas do Poder Público. As comunidades e a sociedade como um todo devem colaborar com este processo, aliás como previsto no § 1º, do art.216, CF.

Para protegê-lo a legislação prevê várias formas ou procedimentos que estão elencados no referido artigo e parágrafo, sendo por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento, desapropriação, além de outras formas de acautelamento e preservação.

Na verdade a maioria destes procedimentos tem cunho administrativo com exceção da desapropriação e tombamento que devem ser feitos por lei, e não havendo acordo no caso da desapropriação, principalmente, a questão certamente cairá na esfera judicial.

Os inventários e registros acabam servindo mais para demonstrar que aquele patrimônio cultural é reconhecido como tal pelo Poder Público, o que não impede a degradação ou outro ato que o prejudique.

A vigilância também é um conjunto de atos que visa guardar o patrimônio cultural, estando mais adstrito a ações de policiamento e inclusive conservação.

Quanto as outras formas que diz a lei, podem ser diversas e dependem da oportunidade e do bem em sí a ser preservado, não se excluindo também a possibilidade do ajuizamento da ação civil pública (Lei 4.347/85). Porém, das medidas protetivas adminstrativas a que mais se têm utilizado nesta matéria é o tombamento.

3. Tombamento

Um dos meios mais eficazes de proteção e conservação do patrimônio cultural é sem dúvida o tombamento regido pelo Decreto-lei federal nº25 de 30 de 11.1937, chamado Lei de Tombamento, e demais alterações parciais.

O instituto do tombamento pode ser definido como o procedimento pelo qual o Poder Público impõe ao proprietário particular ou público de bem de valor comprovadamente de interesse cultural em geral, restrições adminstrativas visando a sua preservação e proteção.

A expressão tombamento deriva do verbo tombar que significa arrolar ou inscrever, e veio do direito português. É sacramentado com o registro no Livro do Tombo, que na verdade são vários livros, dependendo do tipo de tombamento, como por exemplo Tombo Histórico, Tombo da Belas Artes etc.

Além da legislação constitucional e específica encontramos em várias Constituições Estaduais a previsão do tombamento, como: Acre (art.202,1º), Alagoas (art.209), Amazônia (art.207), Ceará (art.237), Espirito Santo (art.183), Maranhão (art.228,§ 1º), Mato Grosso (art.252), Pará (art.286,§1º), Paraíba (art.216,1º), Piauí (art.229, § 2º), Rio de Janeiro (art.321), Rio Grande do Norte (art.144,§1º), Rio Grande do Sul (art.222) e Sergipe (art.226,§1º), conforme realcionado por Paulo Affonso Machado (Direito Ambiental Brasileiro, Ed.Malheiros, 5ºed.p.588).

Aos Conselhos Estaduais de Cultura cabem planejar, executar e fiscalizar o desenvolvimento cultural dos respectivos estados, e no caso do Estado de São Paulo a proteção do patrimônio cultural paulista é exercida através do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo- CONDEPHAAT (art.261).

A finalidade do tombamento é conservar a coisa tida como de valor cultural, com a suas características originais, lembrando que o proprietário não perde a sua propriedade, apenas lhe é retirado o direito de transformá-la, demolí-la ou desnaturá-la; inclusive para repará-la, pintá-la ou restaurá-la necessitará o proprietário de autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (art.17). Não poderá também retirá-la do país ou aliená-la sem oferecer primeiro ao Poder Público, nas três esferas, garantindo o direito de preferência (art.22º).

Por derradeiro deve-se observar que a decisão administrativa de tombamento poderá ser objeto de discussão na esfera do Judiciário, pois não se pode excluir da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito (art.5º,XXV, Const. Federal), o que propicia a discussão com a sociedade do processo de tombamento.

4. Participação da sociedade

A coletividade pode participar na preservação do patrimônio cultural fundamentalmente de três maneiras: na apresentação de projetos de lei; na fiscalização de execução de obras e na proteção legal.

Na propositura de lei municipal os cidadãos, em número que preencham os requisitos do art.29, XI da Constituição Federal, poderão apresentar projetos de lei de interesse específico do município.

A iniciativa popular poderá também ser exercida pela representação à Câmara dos Deputados de projetos de lei, desde que preencham o número de eleitores referido no art.61, §2º da Constituição Federal.

Poderão também os cidadãos fiscalizar a execução de obras que podem causar impacto ao meio ambiente ou ao patrimônio cultural, acompanhando os estudos de impacto ambiental e seu relatório (EIA-RIMA), nos termos da legislação ambiental que protege o meio ambiente, no qual não se pode incluir o ambiente cultural (interpretação ampla da Lei 6.938/81).

Por último, a coletividade pode proteger juridicamente o patrimônio cultural através da ação civil pública prevista na Lei 7.347/85, a qual rege as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados, entre outros ao meio ambiente (I) e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (III).

A ação civil pública pode ser proposta pela União, Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista, o Ministério Público e associações que estejam constituídas pelo menos há um ano e tenham entre suas atividades a proteção ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, entre outras (art.5º).

Ainda, através da ação popular (Lei 4.717, 29.6.65) poderá o cidadão sozinho pleitear a anulação de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista de fundações etc., considerando-se como patrimônio público os bens de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico (art.1º, caput e §1º).

Portanto, o cidadão consciente poderá participar diretamente da preservação do patrimônio cultural mediante as possibilidades supra indicadas sozinho, formando ou associando-se a alguma entidade.

5. Conclusão

O patrimônio cultural de uma nação, que compreende o artístico, estético, histórico, turístico e arqueológico é importantíssimo para a sua própria sobrevivência, de forma que deve ser protegido por seus cidadãos, os quais têm a obrigação de conhecê-lo, bem como saber como protegê-lo.

Somente com ações concretas de proteção conseguiremos barrar os atos de vandalismo e depredação de aspectos de nossa cultura, de forma que é fundamental que cada um de nós tenha ciência da importância de nosso patrimônio cultural e de como protegê-lo, conhecendo os mecanismos administrativos e legais a serem utilizados para este fim.

Uma nação que não conhece, não preserva e não valoriza seu patrimônio cultural é uma nação sem “alma e sem sentido”, que fatalmente estará fadada a se extinguir.

Obs.: Artigo já publicado em: Diadema Jornal – 05.10.97; O Estado do Paraná (PR) – 01.02.98; Bol. Ass.Paul.Cons.Rest.Bens Cult. (SP) – nov/97; Rev. do Minist.Público (SP) – ste.97; O Inconfidente (Ouro Preto-MG) – agosto/98; Diário da Terra (Piracicaba-SP) – 6.11.98; Revista Ecotur- n.º 10 etc.

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