O DIREITO À SAÚDE REPRODUTIVA
ANTÔNIO SILVEIRA RIBEIRO DOS SANTOS
Juiz de direito em São Paulo. Criador do Programa Ambiental: A Última Arca de Noé (www.aultimaarcadenoe.com)
Após a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, organizada pela ONU no Rio de Janeiro, a Rio-92, o fator humano passou a ser um dos principais integrantes no processo para se alcançar o desenvolvimento sustentável, já que o homem é o responsável pelos atos de degradação da natureza, bem como é o único ser que pode barrar as suas próprias ações.
Isto, aliado a violação em caráter planetário de um dos mais básicos direitos humanos que é o direito à saúde reprodutiva, mostrou a necessidade de estudo e medidas para resolver tal problemática.
Sob estas perspectivas a Organização das Nações Unidas, a ONU, através do Fundo das Nações Unidas para a População, realizou no Cairo, em 1994, a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), com a presença de 179 países e 4.200 representantes de 1.500 ONGs, onde foi promulgado um Programa de Ação para guiar as políticas de população e desenvolvimento nacionais e internacionais para os 20 anos seguintes. O referido programa apresenta uma nova estratégia focando as necessidade de mulheres e homens nos objetivos dos planos demográficos, ligando desenvolvimento à saúde e direito reprodutivos.
Tendo por base os tratados de direitos humanos, especialmente o art.16º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o art.16 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, adotada pela Resolução nº34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 18.12.79 e ratificada pelo Brasil em 01.2.84, onde conclui que os Estados Partes deverão tomar as medidas apropriadas
para a eliminação da discriminação contra as mulheres em assuntos de casamento, família, filhos, educação e informação, a aludida Conferência do Cairo reconheceu como fundamental um conjunto de direitos sexuais e reprodutivos como: direito à saúde reprodutiva e sexual; autodeterminação reprodutiva; igualdade e equidade para homens e mulheres e segurança sexual e reprodutiva.
Apesar disso, continua a existir em todo o mundo agressões a estes paradigmas, fracassando os cuidados que se têm tomado para evitá-las, o que é considerado como afronta aos direitos humanos e consequentemente trouxe a necessidade de estudos e pesquisas por parte desta organização planetária no sentido de solucionar tão graves ameaças, dando origem ao Relatório do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) : A Situação da População Mundial 1997, divulgado em 28.05.97 e a nós também enviado para estudos e divulgação.
Este relatório também chamado “O Direito de Escolher: Direitos Reprodutivos e Saúde Reprodutiva” apresenta os entendimentos mundiais que definem os direitos sexuais e de reprodução, mostrando os problemas encontrados para proteger estes direitos, bem como analisa os efeitos de sua negação.
Os estudos constataram dados incríveis de desrespeito aos direitos elencados, mostrando uma realidade preocupante em caráter geral, pois as estatísticas dizem, entre outras coisas, que: 585.000 mulheres morrem todos os anos por causas relacionadas a gravidez, sendo quase todas de países em desenvolvimento; 200.000 mortes maternas por ano resultam da falta ou fracasso dos serviços de anticoncepção; 350 milhões de casais carecem de informações sobre anticoncepção; das 75 milhões de gravidezes indesejadas, dos quais 45 milhões resultam em abortos e 70.000 mortes por ano por falta de condições asépticas adequadas.
Uma das constatações mais impressionantes é a de que 120 milhões de mulheres foram submetidas a mutilação genital e 2 milhões correm o risco de ser, a cada ano; prática que ocorre em várias etnias em 28 países e segundo os peritos, 80% das mulheres mutiladas foram submetidas a ablação do clitóris e dos pequenos lábios, o que na maioria das vezes é feito por curandeiros sem a menor noção de higiene, levando de qualquer forma à morte um grande número de mulheres ou deixando sequelas gravíssimas, em outras tantas.
Destacou-se, também, a existência de um grande número de mulheres infectadas por doenças sexualmente transmissíveis, principalmente a Aids que já toma forma de pandemia, sem contar que a submisão da mulher a rigorosas regras leva, em muitos casos, àquelas que as infringem à prostituição, por serem excluidas da sociedade.
O referido estudo constata ainda que as restrições à participação social impedem o acesso da mulher aos serviços de saúde reprodutiva, além da falta de recursos e de informações, gerando a grande maioria dos problemas referidos.
Observa o relatório do FNUAP que os homens devem aprender a ser responsáveis no campo da sexualidade e da paternidade, bem como saber dos riscos que as mulheres correm com a iniciação precoce e as práticas abortivas e de extirpação de partes do órgão genital, mormente porque aqueles é que têm o poder na grande maioria dos países.
Além disso, os índices de desenvolvimento humano por gênero (IDG) criados pela ONU, no caso relacionado as mulheres, demonstram que quanto mais pobre o país maior a exclusão feminina. No Brasil a situação não difere muito da encontrada nos demais países em desenvolvimento; aliás por estes índices estamos na incômoda posição de nº 60 de um ranking de 146 países, observando-se a grande diferença de oportunidades sociais entre homens e mulheres.
Ademais, em relação a saúde reprodutiva em si, constata-se que milhares de mulheres brasileiras morrem por causa do aborto, milhares são submetidas a maus tratos, além do que muitos homens brasileiros não têm assumido uma paternidade responsável, abandonando mulher e filhos, deixando-os sem assistência, como facilmente podemos constatar em milhares de casos submetidos à justiça por todo este país, incluindo aí a nossa experiência na Comarca de Diadema, na área de família há mais de onze anos.
No caso brasileiro, não há normas expressas sobre direito reprodutivo, mas existem dispositivos legais que associados aos princípios e artigos dos tratados de direitos humanos e das mulheres conduzem a sua obediência.
O direito à saúde pública que é previsto em nossa Constituição Federal (art. 6º) é um dos direitos fundamentais constitucionais que está diretamente relacionado aos direitos à reprodução, mas apesar desta previsão legal o que se vê é uma grande dificuldade de se cumprir tal obrigação e isso por dezenas de fatores, sendo um deles o desconhecimento da situação real em que se encontram as violações aos direitos humanos da mulher em relação aos direitos de reprodução, tanto que vemos na mídia em geral, quase diariamente, notícias de violência contra as mulheres relacionada a sua sexualidade e seu direito de reprodução.
Portanto, relatórios como este devem ser de conhecimento dos que detêm o poder de decisão, para que se sensibilizem com a situação e passem a tomar as providências necessárias para implementar políticas e leis para a erradicação dos problemas relacionados aos direitos reprodutivos, porque só assim poderemos iniciar o século 21 com esperanças de dias melhores para toda a humanidade.
Obs.: Artigo já publicado em: Revista Panorama de Direito (SP) – out./97; A Voz da Serra (Erechim-RS) – 18.11.97; La Settimana del Fanfulla (italiano/SP)- 04.12.97; Notícias Forenses (SP) – nov/97; A Tribuna de Santos (SP)- 15.12.97; Diadema Jornal – 18.12.97 etc.