Introdução

por Fábio Olmos (f-olmos@uol.com.br)

Nigéria em Fast-Track (07 a 19 de julho de 2008)

Esta foi minha terceira viagem à Nigéria, “The Giant of África”, ex-colônia britânica (independente em 1960) e um dos países mais povoados do mundo. E a primeira de minha comparsa Christine Steiner à África (ou qualquer lugar fora do Brasil e da Disney).

É um país multicultural, com cerca de 250 etnias (e número similar de línguas) e uma história florida. O norte muçulmano dos Fulani e Hausa – antes parte do Califado de Sokoto e com províncias governadas por emires – hoje tem estados que aplicam a sharia (mais rápida e eficiente que o judiciário regular). Palco de uma jihad pelos Fulani no início do século XIX, no início do século XX a região foi palco de batalhas entre cavaleiros usando turbantes e vestidos de branco brandindo mosquetes e lanças contra as tropas coloniais de Lord Lugard, armadas com metralhadoras Maxim e rifles de repetição.

O sul foi lar dos reinos Yoruba e outros, como o conhecido Benin. Este é famoso pela arte em latão (ou “bronze”) e os Obas (reis tradicionais) ainda mandam, lado a lado com o governador eleito. No seu auge, Benin ocupava a costa (incluindo Lagos) e comercializava escravos com os portugueses em troca de manilhas de bronze e latão. Os escravos eram revendidos ao reino Ashanti, na Costa do Ouro, em troca do vil metal. Com a demanda dos canaviais americanos, o comércio mudou e os escravos passaram a ser enviados ao Brasil, Cuba, etc, comércio que fez a fortuna de Lagos (já dominada por negociantes luso-brasileiros).

Os Fulani e Hausa do norte também tradicionalmente exploravam o tráfico de escravos, base de sua economia, e só não ocuparam o sul porquê sua cavalaria não sobreviveria ao clima e doenças sulistas. Os ingleses chegaram depois, abrindo o curso do Niger para o comércio e ocupando Lagos em 1860 para sufocar o tráfico ultramarino de escravos. Com a mudança para um colonialismo mais agressivo no fim do século XIX, primeiro estabeleceram protetorados antes de fundir norte e sul em uma colônia.

As cidades do norte são comparativamente limpas e os ricos evitam o exibicionismo. Em contraste, no sul cristão há cidades onde mansões de padrão californiano brotam ao lado de favelas de papelão e tábuas sobre sambaquis de lixo. Você não sabe o que é desigualdade social até visitar um lugar como este.

Em 1960 a Nigéria tinha 38 milhões de habitantes. Em 2006 estes eram 140 milhões, compactados em um país menor que o Amazonas. Os resultados desta explosão populacional são evidentes na precariedade da infra-estrutura e serviços públicos. Os apagões são constantes e o país é movido por geradores a diesel. Algumas das principais rodovias do país – como a que liga Lagos a Benin City – são buracovias de causar inveja às brasileiras.

Em muitos aspectos a Nigéria parece o Brasil de um futuro alternativo. Lagos, antigo porto comercial português e hoje maior cidade do país, abriga pelo menos 14 milhões de habitantes na foz de uma laguna costeira. O lugar poderia ser uma metrópole brasileira do futuro, com edifícios e condomínios moderníssimos ao lado de megafavelas sobre palafitas onde ancoram canoas a vela, apagões diários, milícias e policiais com AKs 47, trânsito que faz o de São Paulo parecer a Fórmula 1, supercamelódromos, saneamento nulo (menos de 1% no país) e cada quarteirão com quatro igrejas evangélico-pentecostais que pregam que deus quer ver você rico.

Um dos maiores produtores de petróleo do mundo (o 6º ou 7º, conforme a produção aumenta ou cai), a Nigéria é um daqueles países onde a riqueza dos petrodólares foi maldição. O dinheiro fácil fomentou uma corrupção endêmica e entranhada em todos os níveis, ao mesmo tempo que a infra-estrutura se deteriorou. Um problema crônico do país é a falta de energia elétrica, apesar do gás queimado inutilmente nos poços de petróleo. As linhas de transmissão (e as estradas, ferrovias, etc) não recebem manutenção porquê o dinheiro é desviado. É comum funcionários das empresas elétricas cortarem a luz de um lugar se sabem que um casamento ou funeral está acontecendo, assim podem pedir um $$ para religar a força. Vi uma estimativa de que mais de 40% dos nigerianos vivem com menos de USD 2 por dia.

O que achei mais interessante ali é como a forma das pessoas pensar e agir é similar ao que vejo aqui no Brasil. Especialmente no sul do país me sinto em uma grande periferia de Salvador, com aquele mix de pessoas alegres, caos e pobreza. Somos realmente países irmãos. Nenhuma surpresa, dado o intenso fluxo entre os dois países até o fim do século XIX e as trocas culturais resultantes. Muitos dos comerciantes, inclusive de escravos, eram negros oriundos da Bahia, e seus descendentes continuam por lá.

Apesar desse handicap que pode aborrecer aos visitantes, a Nigéria apresenta um fascinante mosaico histórico-cultural e inclui um fantástico mosaico de habitats, com florestas equatoriais no sul, grasslands e florestas afromontanas perto da fronteira com o Cameroon (Obodu e as Bamenda Highlands), Guinean Savannas em boa parte do país, Sudanese Savannas (com baobás) mais ao norte, e o Sahel no norte extremo, que inclui parte do agora defunto Lake Chad. A lista do país inclui cerca de 950 espécies de aves.

Em viagens passadas estive no “Planalto Central” do país, centrado em Jos – famoso por seus dois endemismos, o Rock Fire-finch e o Jos Plateau Indigobird -, no planalto de Obudu, parte das Cameroon Highlands e cheias de endemismos, nas florestas equatoriais próximas da fronteira com o Cameroon, nas Afi Mountanis e Okawango Division do Cross River National Park, nas Sudanese Savannas do Yankari National Park e no extremo norte das florestas congolesas, na Omo Forest Reserve. Dessa vez o objetivo era, além de realizar algumas reuniões sobre possíveis projetos de pesquisa, visitar (ou revisitar) algumas áreas. O tempo era curto, mas a disposição grande.

A Nigéria é uma ex-colônia do Império Britânico, que têm um longo histórico de áreas onde o uso de recursos naturais é controlado. Por exemplo, a primeira forest reserve em uma floresta tropical parece ter sido estabelecida em 1764 na ilha de Tobago para proteger fontes de água.

Os britânicos começaram a manejar as florestas nigerianas em 1897, e em 1899 estabeleceram as primeiras reservas para prover madeira extraída de forma controlada para conservar recursos hídricos. A exploração madeireira era feita através de sistemas de rotação que depois se tornaram padrão mundial. Concessionários, que adquiriam os direitos sobre determinados talhões, realizavam a exploração, embora a floresta continuasse a pertencer ao governo. Ao longo do tempo as florestas passaram a ser substituídas por monoculturas de teca e gmelina, ou plantações de cacau. Logo após a Segunda Guerra Mundial foi introduzida taungya, sistema no qual a floresta é seletivamente explorada e então entregue para agricultores que cultivam a terra em troca de plantarem gmelina, teca, etc em meio a suas plantações.

Isso foi resultado da exploração se revelar não sustentável, com “colheitas” menores quando um talhão era revisitado. Um portador de CREA querer ciclos de corte de 25 ou 50 anos é uma coisa, outra é o que a demografia e ecologia das árvores permite.

Após a independência em 1960, os sistemas de rotação começaram a entrar em desuso também pelo fato das concessões florestais sofrerem influência política (como dizem lá, government business is no-man business) e pela crescente pressão por terras por uma população crescente, incluindo migrantes deslocados do norte do país por serem da etnia errada. É interessante como o fim de impérios tende a fomentar conflitos étnicos e o colapso da governança.

Um dos objetivos desta viagem foi visitar o Okomu National Park, situado em uma das antigas áreas de exploração madeireira que, no início do século XX, foi descrita como capaz de abastecer todo o Império Britânico para sempre. Levou apenas 60 anos para as florestas desaparecerem….

De quebra visitamos uma localidade no coração das Guinea Savannas, o famoso planalto de Jos e o Parque Nacional Yankari, onde surgem as Sudanese Savannas. Tudo corrido, mas foi legal.

Dicas de Viagem – A Nigéria não é um país user-friendly onde o viajante independente pode chegar, alugar um carro e passear. Apenas o tráfego insano de Lagos e a ausência de sinalização em boa parte das estradas já estressa o mais bem disposto dos viajantes. Também é difícil encontrar ATMs onde possa ser sacado dinheiro com cartão de crédito, e o uso destes não é recomendado devido à incidência de fraudes e clonagens. Embora os nigerianos sejam, de maneira geral, gentis e receptivos aos visitantes, o país também é famoso pelos 171s, então é melhor não dar sopa. O melhor é arranjar tudo através de um agente de viagens confiável e organizar uma excursão com transfers incluídos.

A malária é um problema em várias regiões e você fatalmente pagará o preço se beber água da torneira. Leve seu Floratil na bagagem. Banheiros em restaurantes e hotéis (incluindo alguns 4 estrelas) tendem a não ter água, luz ou papel, então vá preparado. Em Yankari as tsé-tsé são um estorvo, mas o bom e velho Exposix funciona bem com elas.

Estadias no Parque Nacional Okomu, onde ficamos, podem ser arranjadas através de www.okomuecoresort.com. Birders visitando Jos (Amurum) podem se informar junto ao www.aplori.org.

Uma das dificuldades é a necessidade de uma carta-convite (invitation letter) de uma pessoa ou empresa no país. Sem isso não se consegue o visto, que deve ser solicitado no país de origem. O visto – obtido através de minha agente de viagens – custou R$ 360,00. Um investimento razoável. Como praxe na África, o certificado de vacinação contra febre amarela é obrigatório.

Dessa vez chegamos a Lagos usando a Air France, que ofereceu os melhores preços. Se não estivesse com o tempo apertado dividiria minhas passagens e ficaria um ou dois dias em Paris (ida) e Amsterdam (volta). Mas para variar o tempo estava curto.

A culinária típica nigeriana, especialmente a do sul, é baseada em massas de algo amiláceo acompanhadas de uma sopa apimentada. Você pega um pedaço da massa com a mão (direita) e o mergulha na sopa, que pode ser de vegetais (incluindo folhas de baobá) ou qualquer parte da anatomia bovina, caprina, galinácea ou íctica. Pepper soups também são populares. Originários da região norte (muçulmana) há os churrasquinhos – suya – que são muito bons. Nos hotéis, lodges e cidades o habitual é a culinária “internacional”, é comum achar batata frita com frango ou outra coisa.

Sobre algumas das áreas visitadas – Durante esta viagem visitamos várias Important Bird Areas (IBAs) identificadas pela BirdLife International. Informações estão disponíveis sobre Okomu, Yankari e Jos (Amurum). O African Bird Club disponibiliza listas de espécies e informações sobre cada país africano, incluindo os hotspots para bird-watching.

Literatura de Bordo – Para fins ornitológicos usei o guia de Borrow e Demey “Birds of Western África”. Também fui armado com as vozes de quase todas as espécies da África Ocidental, disponíveis nos CDs de Claude Chappuis. Há material interessante para download em http://www.xeno-canto.org/africa. Ainda não encontrei um bom livro sobre a história da Nigéria, mas nessa viagem minha leitura de cabeceira foi “The Scramble for Africa”, de Thomas Pakenham. Soberbo. O livro que li em minha viagem anterior, “The State of Africa”, de Martim Meredith, é altamente recomendado para qualquer um que queira entender o continente em geral e a história recente de seus países, incluindo a Nigéria.

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