NATUREZA JURÍDICA DA ENERGIA ELÉTRICA
ANTÔNIO SILVEIRA RIBEIRO DOS SANTOS
Juiz de direito em São Paulo. Criador do Programa Ambiental: A Última Arca de Noé (www.aultimaarcadenoe.com)
Em vista da crise energética por que passamos e os anunciados racionamentos e apagões, que vem preocupando a todos, nada mais oportuno do que analisarmos a energia elétrica sob o aspecto de sua conceituação jurídica, para alicerçar eventuais discussões nos tribunais. Qual a natureza jurídica da energia elétrica? Trata-se um bem do poder público ou é de todos? É um bem defensável pela coletividade? É o que tentaremos analisar.
Pelo nosso Código Civil em vigor os bens classificam-se em públicos que são os bens do domínio nacional pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios e privados que são todos os outros que não se enquadrem nestas condições (art.65). No entanto, o desenvolvimento do Direito Ambiental, alicerçando artigo constitucional, trouxe uma nova conceituação de bem que vem sendo aceita pela doutrina e jurisprudência que é o bem de uso comum do povo de caráter difuso. Diz o art.225 da Constituição Federal diz que “todos têm o direito ao meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida..”. Isto quer dizer que os bens componentes do meio ambiente como a atmosfera, a água, o solo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora, são bens ambientais. Por este dispositivo a água é um bem ambiental por ser um dos elementos formadores do meio ambiente e conseqüentemente um bem de uso comum do povo e seus titulares são pessoas indeterminadas, de maneira que ela possui também natureza jurídica de um bem difuso ambiental, já que direitos difusos são os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art.81, Lei 8.079/90, Código do Consumidor). Aliás, a água é classificada expressamente como um bem de domínio público pelo art.1º, I, da Lei 9.433/97, que trata da Política Nacional de Recursos Hídricos, o que reforça o seu caráter de bem de todos. Isto quer dizer que os proprietários dos terrenos onde exista qualquer tipo de corpo d’água são meros detentores dos seus recursos hídricos, não são seus proprietários, já que estes são o povo ou a coletividade. Isto vale também para os proprietários das hidrelétricas, sejam particulares ou públicos, que não são proprietários das águas que existem em seus reservatórios, as quais são de uso comum do povo.
Por sua vez a energia elétrica é obtida em nosso país principalmente através de geradores em hidrelétricas, sendo gerada por meio da força das águas represadas, utilizando-se o seu potencial hidráulico. Ora, se a energia elétrica é o resultado da utilização de uma das propriedades de um bem difuso e de uso comum do povo como é a água, mais exatamente no caso pela sua força motriz, podemos concluir que por extensão a energia elétrica é um bem de caráter difuso, o que é reforçado pelo fato de sua utilização ter caráter universal e conseqüentemente público. Assim, a energia elétrica tem a natureza jurídica de um bem imaterial de caráter difuso de uso comum do povo. Mesmo a energia elétrica gerada por meio de outros bens ambientais como madeira, gás etc, também tem a mesma natureza jurídica pelos mesmos motivos. Isto quer dizer seu gerenciamento e utilização são passíveis de fiscalização de seus proprietários, ou seja de todos nós brasileiros.
Em vista de sua definição, as questões relativas ao racionamento de energia elétrica podem ser examinadas e discutidas por meio da ação civil pública (Lei 7.347/85), a qual pode ser ajuizada pelo Ministério Público, a União, os Estados, os municípios, as autarquias, as empresas públicas, as fundações, as sociedades de economia mista e as associações que tenha entre suas finalidades a proteção do meio ambiente, entre outras, e estejam constituídas há mais de um ano.
Portanto, as questões relacionadas a geração, gerenciamento e utilização da energia elétrica são passíveis de controle judicial pela coletividade, não sendo como pensam alguns temas de exclusiva competência governamental. Além disso, o consumidor que se achar lesado poderá sozinho em juízo pleitear eventual indenização, com base na legislação civil e do consumidor. O que fatalmente ocorrerá em havendo eventuais abusos ou ilegalidades no trato deste bem tão importante para todos nós.
Obs.: Artigo já publicado em: – Gazeta Mercantil-SP (Legal&Jur.) – 22.3.01; JBA.Gr.Jornal.Ronaldo Côrtes-SP – 1.6.01; Correio Braziliense (Dir.&Just.) 25.6.01; Tribuna do Direito/ SP- agosto/ 2001; Revista Jurídica- BA- outubro/ 2001; Revista Meio Ambiente Industrial- SP- set./out. 2001 etc.