MUNICÍPIO E A ESTÉTICA URBANA

ANTÔNIO SILVEIRA RIBEIRO DOS SANTOS
Juiz de direito de São Paulo, aposentado. Criador do Programa Ambiental: A Última Arca de Noé (www.aultimaarcadenoe.com.br)



1 – Valoração da estética urbana
Como sabemos nas cidades antigas da época medieval, por exemplo, não havia preocupação dos administradores com higienização e muito menos com o  embelezamento das urbis. Eram elas verdadeiros amontoados de pessoas distribuídos em casas construídas sem a menor preocupação estética.
Mas, com o crescimento do humanismo as cidades começaram a ser observadas como conjunto de habitações importantes também em relação a qualidade de vida de seus habitantes.
Porém, somente no final do século passado é que a ciência do urbanismo começou realmente a tomar forma como disciplina científica, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, surgindo a preocupação dos estudiosos com os problemas urbanísticos. Cresce dessa forma a percepção da necessidade de se repensar e reformular as cidades. Surgem os conceitos de espaços urbanos, assim como aparecem as primeiras medidas de gestão urbana, inicialmente estimuladas pelo combate as epidemias com construções de redes de esgotos.
Assim, com o crescimento do urbanismo como ciência surgiram as primeiras regras de ordenação urbano, as quais  passaram a impor novas condutas aos cidadãos, controlando seu modo de vida. As cidades deixaram de ser um aglomerado disforme de pessoas e passaram a ser conjuntos de edificações relativamente planejadas e orientadas pela necessidade funcional.
No desenvolvimento urbano brasileiro destacou-se inicialmente o trabalho do reconhecido urbanista francês D. A. Agache, o qual elaborou muitos planos para nossas cidades como Rio de Janeiro, Santos e Curitiba. O revolucionário “Plano Agache” apresentava três aspectos principais para solucionar os problemas das cidades: o saneamento; o descongestionamento do tráfego urbano e a disposição de órgãos públicos. Propunha também a criação de áreas verdes e arborização (Cláudio L. Menezes, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Ed.Papirus,1996), o que mostrava já uma certa preocupação com o embelezamento. Na cidade de São Paulo, a Cia. City trouxe nas primeiras décadas deste século grandes novidades urbanísticas, integrando com harmonia áreas verdes a ruas com traçados sinuosos, através de projetos do célebre arquiteto e urbanista inglês Georges S. Dodd implantados em bairros como Pacaembu, Alto da Lapa etc,.
Assim, com o desenvolvimento do urbanismo a estética urbana passou a ser valorizada, notadamente nas cidades ditas mais civilizadas, tornando-se um dos objetivos do urbanismo moderno. A valoração das características estéticas e paisagísticas das cidades levou a considera-las como aspectos que devem ser protegidos, por se constituir patrimônio cultural (conjunto urbano de valor paisagístico) como vemos em nossa Constituição Federal (art.216, V).
Aliás, modernamente não se admite mais que no traçado urbano seja esquecido o fator paisagístico e estético, pois não se concebe mais cidades que tenham finalidades apenas econômica ou de simples habitação. É muito mais do que isso, a cidade deve ser um local agradável de se viver e trabalhar, onde o cidadão encontra áreas suficientes de lazer, recreação, esporte, cultura etc.
Neste novo conceito de cidade, a estética urbana é primordial para o bem estar da população. Os aspectos de  seu traçado devem mostrar equilíbrio e harmonia, seus prédios devem formar um conjunto arquitetônico condizente com a cultura de sua população e seus logradouros públicos devem ser limpos e acessíveis à todos, principalmente aos seus habitantes mais pobres. Os parques e áreas verdes devem formar um conjunto natural que resguarde uma beleza cênica a disposição de todos. Os elementos naturais devem ser aproveitados de forma a harmonizar-se com a arquitetura. Aliás, como bem lembrado por José Afonso da Silva “o traçado da cidade concorre para o equilíbrio psicológico de seus habitantes, visitantes e transeuntes” (Direito Urbanístico Brasileiro, Ed. Malheiros,2ª ed., 1997, p.276), com o que concordamos plenamente.
Dessa forma, a cidade que valoriza seus aspectos paisagísticos, panorâmicos, monumentais, por exemplo, em harmonia com sua malha viária e construções residenciais, comerciais, públicas etc, terá um potencial excepcional que trará  no mínimo uma sensação de bem estar para sua população.

2- Competência municipal
Com relação a competência para a proteção do aspecto estético das cidades, podemos observar que entre as matérias de competência comum da União, dos Estados e Municípios o art.23 da Constituição Federal coloca :  a proteção de bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens notáveis e os sítios arqueológicos; a proteção do meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas; e ainda a preservação das florestas, da fauna e da flora.
Aparentemente esta competência é apenas administrativa, não legislativa, mas quem tem o poder de proteger deve ter o poder de legislar para que possa exercer o seu poder amplamente. Assim, tem-se entendido que se a Constituição conferiu tais competências está implícita a competência legislativa sobre as matérias. Entendimento este que também nos filiamos.
Todavia, é no art. 30 da Carta Magna que encontramos a melhor disposição quanto a competência legislativa do Município em relação ao meio ambiente e conseqüentemente ao meio ambiente estético e a normas urbanísticas intrinsicamente ligadas ao ambiente artificial e cultural do homem, pois ali diz que sua competência abrange  assuntos de seu interesse local (I ) e lhe dá competência suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (II).
Portanto, apesar da Constituição elencar a matéria de competência exclusiva da União no art.22 e  concorrentemente aos Estado legislar sobre : direito urbanístico, florestas, caça, pesca, fauna conservação da natureza, proteção do meio ambiente e controle da poluição (art.24), o município não está impedido de legislar sobre matéria de seu interesse local  e nem suplementarmente (art.30), ainda mais sobre o que está relacionado com as coisas que acontecem em seu território e de interesse direto de sua população, como o ocorre em relação a sua beleza arquitetônica, cênica e estética.. Ademais, cabe ao município o desenvolvimento da política urbana através de diretrizes gerais fixadas em lei (art.182, da Constituição Federal).

3- Conclusão
Dessa forma, a estética urbana representa elemento importantíssimo de uma cidade e deve ser observada pelos municípios em seus planejamentos urbanos, prevendo regras neste sentido na lei orgânica, no plano diretor, na lei de parcelamento do solo, bem como na agenda 21 local e no Código Ambiental.
Os cidadãos também devem saber que a estética urbana faz parte da dimensão plástica de sua cidade e é importantíssima tanto para o seu bem estar, quanto para a imagem externa da cidade sendo um fator atrativo de empreendimentos e investimentos. Também devem sempre observar que pela sua característica imaterial e por estar a disposição de todos, a estética urbana pode ser classificada como um bem difuso, isto é de todos, que deve ser protegido pelo poder público, principalmente pelo ente municipal e pela coletividade; se preciso até judicialmente através da ação civil pública (Lei 7.347/85).
Por derradeiro, não podemos esquecer que a estética urbana está inserida no conceito de meio ambiente artificial que se constitui do conjunto de edificações, equipamentos, rodovias e demais elementos que formam o espaço urbano construído e que deve ser protegido pelo poder público, notadamente pelos municípios como os grandes responsáveis pela política de desenvolvimento urbano (art. 21, XX,  art.182 e segs. e art. 225, todos da Constituição Federal).

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