MUNICÍPIO E A GESTÃO HÍDRICA

ANTÔNIO SILVEIRA RIBEIRO DOS SANTOS
Juiz de direito em São Paulo. Criador do Programa Ambiental: A Última Arca de Noé (www.aultimaarcadenoe.com)


1. Introdução.

Nos últimos anos a preocupação da sociedade e dos administradores com o meio ambiente cresceu muito, principalmente em vista da degradação dos recursos hídricos, existindo muitas ações e trabalhos no sentido de melhorar a qualidade de vida global, entretanto em termos municipais ainda temos poucos resultados na proteção ambiental, apesar da sua importância.

O aumento da poluição devido a expansão da raça humana e suas indústrias tem atingido drasticamente os recursos hídricos mundiais; além disso os grandes rios acabaram também sendo “truncados” em seu percurso pela formação de hidrelétricas, com prejuízo do fluxo biológico natural de várias espécies de peixes, extinguindo-as da região com enorme perda ecológica; tudo em prol do “desenvolvimento”.

Os ecossistemas costeiros como os mangues, zonas pantanosas, arrecifes de coral e estuários estão grandemente prejudicados pela poluição das águas marinhas. Segundo dados do PNUMA (1997), mais da metade dos 6 bilhões de habitantes do mundo vivem a menos de 60 km das costas, o que propicia o fluxo dos dejetos diretamente às regiões costeiras. Apesar da existência da Convenção sobre o Direito do Mar, realizada em 1982, onde as nações acordaram em preservar o meio marinho e do Programa de Ação Mundial para a Proteção do Meio Marinho, adotado por 109 governos em novembro de 1995, em Washington, D.C. EUA, os problemas de poluição deste meio continuam crescendo e, finalmente, conclui que somente com a mudança de nossos hábitos através de uma educação ambiental e a diminuição dos fluxos de contaminação é que poderemos modificar a situação.

Dessa forma, a degradação do ambiente hídrico tem tomado grandes proporções diminuindo os recursos desta natureza, tornando-os cada vez mais escasso, o que faz necessário encontrar medidas para diminuir seu consumo, bem como evitar desperdício e ainda propiciar recursos econômicos para a sua manutenção. Uma das formas encontradas é justamente cobrar pela sua utilização, surgindo assim o usuário-pagador, que está associado a figura do poluidor-pagador.

2. Gestão hídrica

A gestão dos recursos hídricos no Brasil está intrinsicamente ligada a aplicação da legislação que traz enormes possibilidades de aplica-la, como veremos.

Apesar do art.22, IV de nossa Constituição Federal dizer que a competência legislativa sobre a questão hídrica ser da União, não se pode retirar dos Municípios o poder de legislar supletivamente, mormente pelo disposto no art.30 da Carta Magna que diz que a sua competência legislativa em relação ao meio ambiente abrange assuntos de seu interesse local (I) e lhe dá competência suplementar a legislação federal e estadual no que couber (II). A própria Lei 6.938/81 diz em seu art.6º, § 2º, que os Municípios estão autorizados a elaborar normas na esfera de sua competência.

Ademais, os problemas de poluição ultrapassam as fronteiras municipais, estaduais e muitas vezes nacionais, atingindo locais distantes da fonte poluidora, o que torna inoperante a tentativa de diminuí-los sem a participação de todos os envolvidos, acrescentando aí a sociedade civil. Isto está consagrado na Constituição do Estado de S.Paulo, quando em sua Seção II, Dos Recursos Hídricos, estipulou em seu art.205 e incisos que o Estado instituirá, por lei, sistema integrado de gerenciamento dos recursos hídricos, congregando órgãos estaduais, municipais e a sociedade civil e, ainda, que deverá ser utilizada racionalmente a água, preservando-a, entre outras coisas.

Modernamente tem-se reconhecido valor econômico dos recursos hídricos, lembrando que nos termos do art.66, I do Código Civil, as águas dos mares e dos rios são bens públicos de uso comum do povo e pelo disposto no art.68 do mesmo código a utilização pode ser gratuita ou retribuída, ou seja poderá ser cobrada.

A Lei nº7.663, de 30/12/91, do Estado de São Paulo, por exemplo, instituiu a Política Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos, reconhecendo o recurso hídrico como bem público de valor econômico, assim como prevê a cobrança pela utilização e a forma de rateio do custo (art.3º, III; 14 º e 15º).

Por sua vez, a Lei federal nº 9.433, de 8/01/97(Lei das Águas), trouxe novas e importantes contribuições para o aproveitamento deste recurso adequando a legislação aos conceitos de desenvolvimento sustentado. Instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e classificou a água como bem de domínio público, um recurso natural limitado e dotado de valor econômico (art.1º, I e II). Dita, ainda, as regras de uma nova forma de gerenciamento descentralizado dos recursos hídricos criando comitês para cada bacia hidrográfica (art.33), bem como incorpora na política de desenvolvimento hídrico a participação da comunidade (art.1º, VI). Outra inovação é a criação da cobrança pelo uso da água (art.19), que propiciará recursos financeiros para aplicação prioritária na bacia hidrográfica onde foram gerados (art.22), colaborando-se diretamente para a melhoria ambiental dos Municípios da região.

O princípio usuário-pagador não é novidade em outras legislações, pois já existe na Alemanha desde o começo deste século; desde 1964 na França, mas apesar da matéria ser nova para nós, podemos dizer em termos gerais,desde já, que a cobrança pela utilização da água tem as seguintes finalidades: conscientizar da sua importância e de que se trata de um produto renovável mas finito; diminuir o seu consumo; fornecer subsídios econômicos para o seu próprio gerenciamento; incentivar a utilização racional devido a diminuição de sua captação e possibilitar uma distribuição mais eqüitativa.

Porém, para que isso ocorra é necessário estudar e adotar um gerenciamento dos recursos hídricos com as seguintes providências: planejamento adequado com a observância das peculiaridades regionais e de ocupação do solo; manter o equipamento em bom estado para evitar desperdícios; aproveitar racionalmente os recursos hídricos; fomentar intercâmbios internacionais em vista da existência de bacias hidrográficas que se estendem por outros países; celebrar parcerias entre Municípios e Estados no gerenciamento das águas; incentivar a participação da sociedade; distribuir a água levando-se em consideração as necessidades sociais e as possibilidades econômicas; fiscalizar energicamente em vista da possibilidade da existência de poluidores poderosos econômica e politicamente; promover a educação ambiental com ênfase na poluição deste recurso; fornecer material didático sobre o tema acessível a todos os níveis escolares e estudar, rever e propor mudanças na legislação penal para efetivas sanções ao poluidor.

3. Conclusão

Dessa forma, em termos de recursos hídricos há mecanismos legais interessantes e modernos de gerenciamento das águas, bem como capazes de diminuir a poluição, cabendo aos Municípios adotá-los.

Também, dentro de sua obrigação imposta constitucionalmente de que deve promover a educação ambiental (art.225, CF), deverá o Município promover a conscientização de todos de que a água, principalmente a doce, é o mais vulnerável dos recursos naturais, não se esquecendo que esse importantíssimo bem é renovável mas finito. Finito porque se a poluição for, por exemplo, por material radioativo, mercúrio ou chumbo, estará comprometida a sua renovabilidade, fazendo a população lembrar que a água que hoje utilizamos é a mesma de milhões de anos, pois ela apenas muda seu estado ( líquido, gasoso e sólido) em um ciclo eterno, de forma que não podemos contamina-la, sob pena de comprometer a nossa própria sobrevivência.

Conclui-se, ainda, que a introdução efetiva em nosso direito da figura do usuário-pagador é medida importantíssima e moderna de preservação desse valioso bem, contribuindo para termos um ambiente ecologicamente equilibrado, como preceitua o art.225 da Constituição Federal, bem como de importância econômica principalmente para os Municípios, assim como aliando a outras medidas importantíssimas conseguirmos alcançar o desenvolvimento sustentável (SANTOS,1995).

Do exposto conclui-se também que o gerenciamento pelos Municípios dos recursos hídricos é importantíssimo, mormente porque eles é que têm melhores condições de implementá-lo, pois estão mais perto dos problemas degradatórios da água, ademais, os recursos hídricos são fundamentais na política de desenvolvimento e devem ter sua atenção especial, pois a eles é que interessam sobremaneira a manutenção dos mananciais, além do que a criação da figura do usuário-pagador com o novo entendimento de que a água é um recurso natural de valor econômico, deverá trazer aos Municípios muitos benefícios econômicos, como dito.

BIBLIOGRAFIA CITADA

– PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE. 1997. Nuestro Mundo, tomo 8, nº5.

– SANTOS, Antonio Silveira R. dos. 1995. A biodiversidade da terra e o desenvolvimento sustentável. Rev. dos Trib. 716/

Obs.: Artigo já publicado em: Boletim de Direito Municipal- SP- julho 98; A Tribuna (S.Carlos/SP) – 28.3.99; Diadema Jornal – 4.4.99; Revista Jurídica (Bahia)- jan. 2000 etc.

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