MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: CONSIDERAÇÕES

ANTÔNIO SILVEIRA RIBEIRO DOS SANTOS
Juiz de direito em São Paulo. Criador do Programa Ambiental: A Última Arca de Noé (www.aultimaarcadenoe.com)


Com o surgimento há algumas décadas dos estudos ambientais  criou-se o conceito de meio ambiente, o qual se limitava a se relacionar apenas às condições naturais, mas após a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, o fator humano passou a integrá-lo, incluindo os problemas do homem como relacionados diretamente à problemática ambiental como a pobreza, o urbanismo etc. Assim, o conceito apenas clássico perdeu sentido ante as novas proposições da referida conferência.
Aliás, na Agenda 21, que é o documento emanado da citada conferência e que deu as diretrizes ao desenvolvimento da sociedade para o século 21, constam inúmeras passagens onde está claro que o conceito de meio ambiente ganhou um universo muito mais amplo.
Em termos de legislação também observamos esta evolução. O art.3º, I, da Lei 6.938/81, definiu meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Posteriormente, com base na Constituição Federal de 1988, passou-se a entender também que o meio ambiente divide-se em físico ou natural, cultural, artificial e do trabalho. Meio ambiente físico ou natural é constituído pela flora, fauna, solo, água, atmosfera etc, incluindo os ecossistemas (art. 225, §1º, I, VII). Meio ambiente cultural constitui-se pelo patrimônio cultural, artístico, arqueológico, paisagístico, manifestações culturais, populares etc (art.215, §1º e §2º). Meio ambiente artificial é o conjunto de edificações particulares ou públicas, principalmente urbanas (art.182, art.21,XX e art.5º, XXIII) e meio ambiente do trabalho é o conjunto de condições existentes no local de trabalho relativos à qualidade de vida do trabalhador (art.7, XXXIII e art.200).
Podemos, ainda, conceituar meio ambiente do trabalho como  “o conjunto de fatores físicos, climáticos ou qualquer outro que interligados, ou não, estão presentes e envolvem o local de trabalho da pessoa”. Apesar desta definição aparentar certo individualismo, isto não acontece pois ante a importância da proteção dos trabalhadores e o interesse e obrigação do Estado de protegê-los, como demonstrado na legislação constitucional, o conceito extrapola na prática o aparente individualismo, tomando conotações de um direito transindividual ao mesmo tempo que difuso.
Portanto, o homem passou a integrar plenamente o meio ambiente no caminho para o desenvolvimento sustentável preconizado pela nova ordem ambiental mundial; conseqüência disto é a consideração de que o meio ambiente do trabalho também faz parte do conceito mais amplo de ambiente, de forma que deve ser considerado como bem a ser protegido pelas legislações para que o trabalhador possa usufruir de uma melhor qualidade de vida.
Examinado brevemente o tema em termos de legislação constitutiva e conceituação jurídica,  resta verificar a sua proteção jurídica.
Como dito nossa Constituição Federal incluiu entre os direitos dos trabalhadores o de ter reduzido os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art.7º, XXII), e determinou que no sistema de saúde o meio ambiente do trabalho deve ser protegido (art.200, VIII), mostrando uma moderna posição com relação ao tema, de forma que as questões referentes ao meio ambiente do trabalho transcendem a questão de saúde dos próprios trabalhadores, extrapolando para toda a sociedade.
Também a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) trata da segurança e saúde do trabalhador no art.154 e seguintes do Tít. II, Cap.V e no Tít. III (Normas Especiais de Tutela do Trabalho, além das Portarias do Ministério do Trabalho e a Leio Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90). Há ainda o Programa de Controle Médico e de Saúde Ocupacional e o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, sem contar a obrigatoriedade das empresas terem que instituir as CIPAs – Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (art.163,CLT). Tudo visando a preservação da qualidade ambiental do local de trabalho.
Conforme colocado o meio ambiente sadio do trabalho é um direito transindividual por ser um direito de todo trabalhador, indistintamente, e reconhecido como uma obrigação social constitucional do Estado, ao mesmo tempo em que se trata de um interesse difuso, ou mesmo coletivo quando se tratar de determinado grupo de trabalhadores.  Em sendo assim, o meio ambiente do trabalho enquadra-se nos casos protegidos pela Lei 7.347/85, que em seu art.1º, I, estabelece a adequação da ação civil pública na proteção do meio ambiente e em seu inciso IV inclui também o caso de danos causados a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, de forma que é plenamente viável falarmos na existência da Ação Civil Pública para resguardar os direitos dos trabalhadores terem um ambiente de trabalho sadio e ecologicamente equilibrado como preceituado no art.225 da Constituição Federal. Assim, estão legitimados para propor a ação civil pública acidentária trabalhista as pessoas de direito público e as entidades elencadas no art.5ºda Lei 7.347/85, dentre elas os sindicatos e o Ministério Público.
Aliás, até há pouco tempo discutia-se quanto a competência para julgar tal ação, se era da Justiça do Trabalho ou da Justiça Estadual, porém decidiu o Superior Tribunal de Justiça que a competência é da Justiça Estadual (Conflito de competência 16243-São Paulo- Rel.Min.Ari Pargendler,DOU,P.21.435,nº115,17.06.96-J.22.05.96); por conseguinte o Ministério Público estadual é que deve ser a parte legítima ativa e não o Ministério Público do Trabalho. O próprio Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo em sua Súmula 15, entendeu que cabe ao Ministério Público estadual ajuizar esta ação; neste sentido encontramos também Rodolfo de Camargo Mancuso (Ação Civil Pública Trabalhista: Análise de alguns pontos controvertidos, Rev. dos Trib. nº 732, pg.11-37).
De fato, se observarmos o art.109 da Constituição Federal vamos ver que a matéria referente a acidentes do trabalho está excluída da competência dos juizes federais. Além disso, a matéria também não faz parte do rol da competência da Justiça do Trabalho nos termos do art.114 também da Carta Magna. Dessa forma, demonstrado está que as questões jurídicas relativas ao meio ambiente do trabalho estão na esfera de competência da Justiça Estadual, conseqüentemente legitimado está o Ministério Público estadual para ajuizar a ação pública referida.
Evidentemente que antes de se ajuizar a ação civil pública em questão poderá o membro do MP chamar a empresa para tentar solucionar a questão mediante compromisso de ajustamento, mas antes ainda poderá requisitar vistoria de engenharia e médica do trabalho para verificar as condições inclusive solicitar dos peritos quais as medidas técnicas para sanar as irregularidades; requisitar documentos como laudos ambientais, relação dos CATs (Comunicação de Acidentes do Trabalho) e atas das CIPAs (Comissão Interna de Prevenção de Acidente) e com esses documentos tentar o compromisso de ajustamento. Pelo que se sabe as promotorias de Acidentes do Trabalhos das comarcas de São Paulo têm conseguido acordos com resultados positivos na quase totalidade dos inquéritos civis nesta área.
Portanto, o empregador que por inobservância das normas de segurança do trabalho não fornecer aos seus empregados um ambiente de trabalho sadio e, conseqüentemente, vier a causar-lhes danos poderá sofrer ação civil pública para que adapte seu estabelecimento e/ou pague multa, bem como poderá ter seu estabelecimento fechado judicialmente, além de poder responder criminalmente. Estará ainda sujeito a multas administrativas (art.201,CLT), interdição do estabelecimento ou equipamento (art.161, CLT). Sem contar que poderá responder por indenização, em se constando sua culpa e dano ao trabalhador, apuráveis através da respectiva ação de indenização (art.7º,XXVIII, CF e art.159, Código Civil).
Ante o exposto,  podemos concluir que o conceito de meio ambiente evoluiu abrangendo atualmente além do fator natural e físico, o cultural, o artificial e meio ambiente do trabalho. Quanto a este último em especial, constata-se que tomou conotação transindividual e de interesse difuso, possibilitando a sua proteção por meio da ação civil pública com fulcro na Lei 7.347/85, tornando-se um importante direito de todos os trabalhadores e da sociedade como um todo, além de um dever do Estado de protegê-lo.
Por conseguinte, isto certamente levará as empresas a dar mais atenção ao ambiente de suas instalações como escritórios e parques industriais, adequando-os aos novos anseios mundiais de desenvolvimento e de qualidade de vida, o que só trará vantagens diretas aos trabalhadores e indiretamente à toda sociedade.

Obs.: Artigo já publicado em:  Rev. Meio Ambiente Industrial (SP) – set./ out. 97;  Rev. Meio Ambiente Industrial (SP) – nov.dez.99;  Tribuna do Direito (SP) – jan.2000; JBA.Gr.Jornal.Ronaldo Côrtes-SP – 11.2.00; Diadema Jornal – 13.2.00; Infojus – Ver. Juríd. On line; Correio Braziliense (Direito&Justiça) – 8.5.00 etc.

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