IDENTIFICAÇÃO DAS AVES PELA VOZ

I- VOCALIZAÇÃO: FUNÇÃO E IMPORTÂNCIA

     Com raras exceções as aves possuem uma característica marcante que é o poder de vocalizar. O órgão responsável pela vocalização é a siringe, órgão mais ou menos complexo que faz parte do aparelho respiratório.
     A vocalização como uma das principais formas de expressão e comunicação das aves manifesta-se como canto ou como chamado. O canto é uma série de notas, geralmente de mais de um tipo, emitidas em sucessão e relacionadas entre si formando uma sequência de sons bem reconhecidos, e tem complexidades características de ritmo e de modulação que os diferenciam entre as espécies. Além disso o canto está basicamente sob controle dos hormônios sexuais, relacionam-se com a época da reprodução, bem como para estabelecimento e defesa do território e ainda com a manutenção do par (macho e fêmea ).
     A ” chamada ” ( call note ) é principalmente constituída por notas monossilábicas ou dissilábicas, nunca em número superior a quatro ou cinco notas e  aparece na coordenação de comportamento do jovem, do bando e da família durante as atividades de manutenção, como alimentação, migração, bando e resposta a predadores.
     Em ambientes fechados como no interior das florestas a vocalização assume maior importância, ante a dificuldade de visualização entre os indivíduos de uma mesma espécie.  Já no campo, apesar da importância da vocalização ser menor, ela não deixa de ter valor, porque nas áreas  abertas com gramíneas as aves também ficam de certa forma “cobertas” pela ramagem rasteira e as arvores de grande porte são poucas, daí porque a necessidade da voz para a comunicação, como vemos por exemplo em Anthus  lutescens,  que precisa fazer vôos verticais, cantando, para ser localizado pela fêmea e/ou demarcar o território.
     Deve-se observar também que a vocalização das aves foi também muito importante para o homem primitivo, o qual a utilizou para chamar a ave e depois abatê-la.

II- FINALIDADE DO ESTUDO

     Através do conhecimento destas formas de expressão vocal o homem pode aperfeiçoar e desenvolver melhor o estudo sobre a avifauna de determinada localidade, pois estará mais apto a uma melhor identificação das espécies.
     O levantamento ou registro das aves pode ser feito para vários fins, como enriquecer  coleção de museus,  elaborar estudos científicos,  mero deleite, ou estudo das aves por um simples observador ou mesmo ornitólogo amador. Quando o estudo é feito para um museu ou para o desenvolvimento de um estudo cientifico, normalmente são abatidos indivíduos  que serão identificados posteriormente, através de comparação, da literatura ou com auxílio de outras coleções.
      Porém, nem sempre é possível esta forma de identificação, pois além da lei proibir a caça a animais silvestres, também o preparo das peles (taxidemia), pela sua dificuldade, não está ao alcance de muitas pessoas. Além disso, muitas vezes não se justifica o sacrifício de aves conhecidas e facilmente identificáveis só para se ter uma coleção  desprovida de qualquer valor cientifico.
      Em não havendo coleta do animal por abate ou por uso de rede de neblina, o estudioso deve identificar a ave  através de simples observação de campo.Neste, a observação é mais complicada, pois geralmente a ave não para, saltitando ou pulando de lá para cá, dificultando a identificação.
     Identificar uma ave exige uma especial atenção e observação de detalhes importantes como  o colorido e detalhes da plumagem, postura em pouso e vôo, canto e ainda o tamanho. De posse desses dados escritos o interessado procurará em museu ou na literatura.
      Normalmente o tipo de vegetação e de ambiente servem para auxiliar na identificação, pois a ave está ligada a um determinado hábitat. Mas um dos mais importantes aspecto para a identificação no campo é a vocalização, daí porque é necessário ao observador o conhecimento da voz das aves.
      O bom observador pode registrar a presença de determinada ave em um local sem que a tenha visto, bastando para isso conhecer a sua voz. Evidentemente que em um levantamento de caráter cientifico só se deve registrar a presença de  determinada espécie se houver certeza absoluta de sua ocorrência, mormente se foi identificada apenas pela voz.
      Quando o levantamento é feito apenas para estudos de amadores  as observações  podem ser feitas através de binóculos e gravadores, sem maiores preocupações, mas nunca se deve registrar uma ave sem que se tenha certeza de sua identificação.

III- MÉTODO DE ESTUDO PELA VOCALIZAÇÃO

     Para estudar a vocalização das aves deve-se começar observando o local de estudo, levantando-se o maior número possível de dados sobre a vegetação, altitude e clima, para uma perfeita descrição do hábitat e posteriormente deverá ser examinada  uma lista das possíveis espécies que ocorrem no local de estudo.
      Munido destes dados o observador passará às observações diretas da avifauna local utilizando um binóculo, um caderno de campo e principalmente de um gravador portátil.
      As aves logo identificadas visualmente devem ser registradas no caderno de campo e as que deixarem dúvidas devem ser descritas e/ou desenhadas, gravando-se a sua vocalização para ser usada como chamariz, pois muitas aves são territoriais e atendem ao chamado gravado delas próprias , facilitando a sua visualização,  através do processo chamado  ” play back “. O registro da vocalização das aves, além da utilidade prática  mencionada serve para uma identificação posterior .
     As gravações podem ser feitas por qualquer tipo de gravador portátil, sendo os cassete record os mais fáceis de se encontrar e de se manusear, mas há no mercado os gravadores digitais, os conhecidos DAT, de alta definição e tecnologia, que podem ser usados com microfone direcional, mas são caros e de difícil importação.
      Muitos ornitólogos profissionais gostam e utilizam os gravadores de rolo, acoplados a parábolas , sendo os das marcas  Nagara  e Uher os melhores, mas também a sua utilização  é difícil pelo peso e tamanho bem como pelo alto preço. Porem estes últimos instrumentos, além das restrições expostas a dificuldade de se manusear no interior da mata aumenta pela pouca versatilidade no manuseio da parábola, de sorte que o melhor é usar um gravador de cassete ou DAT com microfone direcional, tornando mais prático e fácil o trabalho. Agora estão surgindo os gravadores de mini-cds, com alta definição.
       A gravação também pode ser feita utilizando-se filmadoras, pois o áudio desses aparelhos tem muitas vezes boa definição, podendo posteriormente ser feita uma cópia em cassete para melhor manuseio e arquivo. A vantagem de se gravar vocalização com filmadora é que , além do som,  fica a imagem mostrando o hábitat da espécie gravada, podendo ser feita uma fita de vídeo de vocalização, servindo assim também para auxiliar na identificação das espécies.
     Assim, com os dados anotados referentes ao hábitat e uma possível descrição da ave, e ainda com a sua voz gravada o observador terá grande chance de sucesso na identificação de um grande número de espécies.
     Poderá o estudioso organizar também um banco de voz separando as espécies por família, o que ajudará em muito na identificação, servindo para comparações e estudos, além do que  o banco de voz acaba incentivando o observador a conseguir cada vez mais registro de vocalizações de espécies, tornando-se um salutar desafio.
     Com o advento e aperfeiçoamento de instrumentos eletromagnéticos  os cientistas tem obtido grandes resultados com a elaboração de sonograma que é a reprodução dos sons no papel, fixando os caracteres da manifestação sonora, possibilitando a identificação de espécies, inclusive com vozes semelhantes.
     Porém, tal sistema está fora do alcance da grande maioria dos estudiosos, certamente de quase todos os ornitólogos e observadores amadores, mas isso não impede ao observador ou ornitólogo amador estudar  a vocalização das aves , já que mesmo com recursos mais modestos como a utilização de um simples gravador cassete é possível obter bons resultados apesar da qualidade limitada da aparelhagem, a qual poderá ter melhorada a capacidade acoplando-se um microfone direcional, em havendo entrada para tal.

IV- DIVERSIDADE DE VOZES

    As espécies são agrupadas em famílias em vista de características comuns, mas pelo ” timbre da voz ” ou pelo seu tipo ou característica pode-se concluir muitas vezes de imediato a qual família pertence o indivíduo estudado, como por exemplo os Psittacidae (araras, papagaios e periquitos), vocalizam alto e estridente na maioria das vezes, os Picidae ( pica-paus ) são gritadores, os Enberizidae são melodiosos etc.
Já em outras aves  a voz é grave como Ramphastos toco, o Tucanoçu. Os beija-flores possuem a voz aguda mas muito baixa e repetitiva. Aves como o Acauã ( Herpetotheres cachinnans ) tem grande capacidade de vocalizar, repetindo seu canto por vários minutos, principalmente no crepúsculo. Outras têm a vocalização curta e rápida como certos Dendrocolaptideos que dão um ou dois gritos, outros ainda tem canto prolongado e monótono como Chamaeza campanisona ( Tovaca ).
       Há as aves de hábitos diurnos, crepusculares e as noturnas propriamente ditas. Quanto as diurnas a identificação pela voz não é tão difícil, pois são mais fáceis de se visualizar, mas em se tratando  de aves crepusculares e principalmente noturnas a importância do conhecimento da vocalização aumenta consideravelmente, porque na maioria das vezes é impossível vê-las, de forma que a sua ocorrência praticamente só pode ser registrada pela voz que emitem. Daí a importância do conhecimento da vocalização, mas a situação complica-se ainda quando não se conhece todas as formas de vocalização da espécie.
     Como dito anteriormente, em aves a vocalização expressa várias necessidades e situações, sendo de grande variedade para a mesma espécie, citando por exemplo as dezenas de diferentes cantos em Guira guira (Anu-branco) e ainda Thryothorus longirostris (Corruira-do-brejo).
     Deve-se observar também que existem os dialetos que são as variações de vocalização de aves da mesma espécie pela diferença de região, sendo o canto forma de isolamento da espécie, de forma que em se aperfeiçoando o estudo a gama de números de registro deve aumentar consideravelmente, já que só de uma espécie pode haver uma dezena ou mais de dialetos.

V – CONCLUSÃO

    Por tudo isso, vê-se que o estudo da vocalização das aves para sua identificação é quase infindável.
    Concluí-se, assim, que o estudo da vocalização das aves propicia e é de suma importância na identificação das espécies, principalmente em campo onde muitas vezes a ave não é vista mas apenas ouvido o seu canto ou chamado.
    Além disso, este método de identificação está ao alcance de todos que se interessam pelo estudo da avifauna, desde o mais simples amador ao ornitólogo profissional.
Um agradável método para uma prazerosa atividade.

* Resumo da palestra proferida por Antônio Silveira R. dos Santos no Anfiteatro de Zoologia da USP em 12/03/1994, para o CEO – Centro de Estudos Ornitológicos e objeto de publicação no Boletim nº10 da citada entidade.

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