COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO: CONSIDERAÇÕES
Considerações
O desenvolvimento tecnológico ocorrido principalmente na últimas décadas tem propiciado profundas e rápidas mudanças no meio social com reflexos na evolução sócioeconômia das sociedades contemporâneas, bem como tem surgido novos campos de aplicação e desenvolvimento do direito.
Entre estas novas perspectivas socio-jurídicas encontramos a crescente preocupação do legislador e de estudiosos na área ambiental, como podemos constatar em nossa Constituição Federal, que disciplina no art. 225, especialmente o meio ambiente.
Por sua vez, o art.3º,I, da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, já definia meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em toda as formas”; bem como caracterizava a responsabilidade objetiva do causador do dano e dava outras providências. .
Assim, vemos que a preocupação com os problemas ambientais chegaram a ponto de existir em nosso ordenamento jurídico mecanismos legais para a proteção do meio ambiente, inclusive de âmbito constitucional, mostrando a evolução de um novo direito: o Direito Ambiental.
Também, antes da promulgação de nossa Constituição Federal de 1988, já havia em nossa sistemática jurídica a Lei da Ação Civil Pública, a Lei 7.347, de 24/07/85 que fortalecida pelo texto constitucional e posteriormente pelo Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90), prevê o ajuizamento da ação civil pública para proteção do patrimônio ambiental, histórico, paisagístico etc, bem como serve para apurar a responsabilidade por danos a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Interesses difusos; são os interesses transindividuais, ou seja, são os que transcendem o indivíduo, e ainda indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas mas ligadas por circunstâncias de fato.
Interesses coletivos: são também os transindividuais, indivisíveis, mas que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contraria por uma relação jurídica base (art.81, parágrafo único, I e II, Lei 8.078/90).
Pela referida lei (ar.5º) e o disposto na art.129, III da Constituição Federal, estão legitimados a propor a ação civil pública, além do Ministério Público, a União, os Estados, e Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista ou associações que tenham pelo menos um ano e tenham como finalidade a proteção dos valores protegidos por esta mesma lei.
Em que pese este tipo de ação poder ser proposta por entidades privadas, sua essência é notadamente pública, isto quer dizer que proposta a ação civil pública estaremos falando de interesse público ou de ordem pública a ensejar a sua indisponibilidade, característica principal dos questões públicas. Tanto é uma questão pública que no art.5º, § 3º, consta que em havendo desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá o polo ativo; vale dizer que uma vez ajuizada a ação civil pública não poderá haver desistência sem motivação.Por que? Porque justamente estamos frente a um direito indisponível, por se trata de matéria de caráter público.
Assim, podemos concluir que por se tratar de ação eminentemente pública, não poderá o legitimado ativo dispor dela, já que não envolve apenas direito próprio.
O direito de transigir
E quanto ao direito de transigir? Há ou não, no caso.
Transação vem de “transactio” e significa acordo expresso, por meio do qual as partes põe fim a lide , mediante concessões. Nos termos do art.1.035 do Código Civil, a transação só é permitida em se tratando de direitos patrimonias de caráter privado, ou seja, no caso de matéria de caráter público não é autorizado.
Porém, o § 6º do art.5º da Lei 7.347/85, permite no correr do inquérito civil que “os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.
Somos da corrente que entende que essa faculdade, no caso principalmente da atuação do Ministério Público como autor de uma ação civil pública, pode ser utilizada também no correr da própria ação civil pública, pois o Ministério Público é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, conforme art.127 da Constituição Federal, ainda mais no caso de sua atuação por força da Lei 7.347/85.
Essa composição não implica na proibição do Código Civil, uma vez que há previsão legal específica, além do que não podemos deixar de considerar que a nova realidade social autoriza a adoção de métodos eficientes a solucionar os novos problemas que surgem, ainda mais em se tratando de matéria ambiental, que não existia na época do nosso Código Civil.
Ademais, ressalta-se que o Ministério Público pode transacionar em matéria criminal , conforme autorizado pelo art.97,I da Constituição Federal e pela Lei 9.099/95, o que mostra uma moderna participação do Estado na apuração dos ilícitos.
Portanto, ante a nova sistemática legal vigente e a nova realidade social, e principalmente o surgimento do Direito Ambiental que reclama maior flexibilidade nas soluções sob pena de restar infrutífera qualquer ação, devemos optar pela possibilidade do Ministério Público poder celebrar acordos nas ações civis públicas, mormente porque esse “tipo de acordo” invariavelmente não implica em desistência, mas sim no sentido de se encontrar a melhor forma de se reparar o dano.
Na verdade é esta busca de uma solução que interessa, haja vista a dificuldade de se executar as ações civis públicas, por falta de parâmetros ainda definidos em nosso Direito Ambiental.
Utilização da analogia
Ante a citada falta de parâmetros para a maioria das soluções das ações reparatórias ambientais, por não existir previsão legal concreta de valoração de bens ambientais e ainda pelo fato da novidade que ainda é a matéria de direito ambiental, o qual não tem mais do que duas décadas de efetiva formação, os profissionais do direito, em especial o juiz devem se socorrer da analogia com outras matérias ou normas legais.
Para exemplificar o que estamos falando, oportuno citarmos uma determinada situação: é quando estamos frente de uma apreensão de animal da fauna brasileira ameaçado de extinção. Tanto na fase do inquérito quanto na da ação civil pública, poderia-se tomar a decisão de na oportunidade do compromisso de ajustamento transacionar-se no sentido de obrigar ao infrator assumir o compromisso de “sustentar” a manutenção do referido animal em algum zoológico ou depositário-criador autorizado, enquanto o animal viver, pois a sua reintrodução eficaz na natureza é praticamente impossível por dezenas de aspectos biológicos que aqui não caberia enumerar.
Aliás, acordo neste sentido foi efetuado na Comarca de Diadema, onde por nossa sugestão foi aceito estes termos.
Dessa forma, tomando-se por analogia os princípios do direito civil, poderíamos, ao menos, reparar parte do dano causado ao ambiente, e por extensão ao próprio animal.
Fatalmente a adoção desta forma de reparação não só em termos de transação, mas também em termos de condenação, desestimularia em muito os ilícitos ambientais semelhantes.
Conclusão
Apesar da matéria não estar sendo amplamente discutida na doutrina como merece, tudo leva a crer que as opiniões dos especialistas estão caminhando para um entendimento uniforme neste sentido.
Esperamos que venha prevalecer o entendimento aqui esboçado para que o Ministério Público, principalmente, possa desenvolver sua função ambiental com autonomia suficiente e assim encontrar saídas concretas e objetivas na proteção do meio ambiente, já tão degradado; o que só trará benefícios à sociedade como um todo.