Agentes Perigosos e Poluidores: Aspectos Legais Nacionais e Internacionais

Maria Elvira Borges Calazans[1]


I. Breves Considerações Iniciais;  II. Aspectos Internacionais;  II.1. Convenção da Basiléia; II.2. Convenção PIC;  II.3. Convenção POP;  III. Aspectos Nacionais;  III.1. Principais Normas Ambientais;  III.2. Esforços dos Órgãos de Segurança Química;  IV. Conclusões; V. Bibliografia.


I. BREVES CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O desenvolvimento industrial determinou o surgimento de novos produtos químicos para exterminar vetores biológicos, insetos, pragas, fungos e toda a espécie de agentes que propagam doenças e prejudicam a lavoura.

Com o passar do tempo, novos estudos revelaram que muitos destes produtos químicos são agentes perigosos e poluidores, altamente tóxicos, potencialmente nocivos e tão ou mais prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente, quanto os próprios agentes que pretendem combater. Há químicos que exalam odores e toxidade que se propagam poluindo o ar, viajam pela atmosfera a grandes distâncias e causam danos aos seres humanos e a todo o meio ambiente, sendo que a maioria deles, persiste poluindo o solo e os lençóis freáticos após sua utilização e descarte.

Por falta de opções e apesar de altamente tóxicos e potencialmente nocivos muitos destes químicos continuam em uso mas, agora, sob procedimento muito mais cuidadoso.

Há que se observar, também, sob o prisma da conservação e do restauro de bens culturais que, mesmo antes do surgimento destes químicos, muitos elementos altamente tóxicos já eram incluídos na composição de produtos utilizados profissionalmente, seja em pigmentos, — como Cromo (Cr) ; Cádmio (Cd); Mercúrio (Hg); Arsênico (As); Chumbo (Pb) — vernizes, solventes e adesivos, no restauro de pinturas sob cavaletes, seja em produtos para o combate à fungos e mofos — no trabalho de conservação e restauro em papel — ou na exterminação de pragas ou insetos que contaminam madeira, tecidos e papel, — como o cupim.

Os problemas que estes agentes químicos podem acarretar ao meio ambiente e à saúde do ser humano têm sido uma preocupação mundial. Esta breve análise dos regimes, tanto internacionais quanto nacionais, aos quais estão submetidos os produtos químicos poluidores e potencialmente tóxicos, será pontual e com a intenção de trazer o primeiro contato com as novas normas internacionais, que sequer entraram em vigor, visando servir de início à discussão dos efeitos que podem causar sua utilização pelos profissionais conservadores e restauradores de bens culturais.

II. ASPECTOS INTERNACIONAIS

Nas décadas de 60 e 70, houve grande aumento de volume do comércio mundial de produtos químicos. Os países desenvolvidos vêm, cada vez mais, produzindo e exportando para os países em desenvolvimento, produtos proibidos ou cuja utilização sofre severa restrição na maioria dos países industrializados.

A maior preocupação sobre este comércio repousa no fato dos países importadores não deterem meios, nem tecnologias suficientes para garantir seu manuseio e utilização seguros, nem infra-estrutura adequada para controlar a importação, a distribuição, o armazenamento, a formulação e o depósito destes produtos químicos, fatos que levaram os Órgãos Internacionais a adotarem algumas medidas para solucionar a questão.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO — Food and Agricultures Organization of the United Nations, — preocupada com o grande nível de pesticidas transacionados internacionalmente, vem recomendando a limitação de sua utilização na agricultura, tendo adotado, desde 1985, o Código Internacional de Conduta sobre a Distribuição e Utilização de Pesticidas.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA[2] instalou, em 1976, o Registro Internacional de Químicos Potencialmente Tóxicos[3] visando a troca de informações sobre diversos aspectos destes produtos químicos. Nos mesmos moldes e, tendo como alvo os Produtos Químicos no Comércio Internacional, foram desenvolvidas as “Diretrizes de Londres” — London Guidelines, (1987). Posteriormente, os controles estabelecidos nestas Diretrizes foram expandidos para incluir dispositivos especiais, que passaram a ser conhecidos por Prior Informed Consent (PIC).

A Prévia Informação para Consentimento envolve regras sobre a comunicação prévia entre países exportadores e importadores, quando qualquer transação for estabelecida objetivando a exportação de produtos perigosos que estejam proibidos ou severamente restringidos no mercado interno, por razões de segurança ambiental e de saúde humana.

Estes atos do PNUMA serviram de base para a adoção da Convenção da Basiléia de 1989.

 

II.1. CONVENÇÃO DA BASILÉIA

A Convenção da Basiléia sobre Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito Final, tem por objetivo promover o manejo e eliminação, ambientalmente corretos, e prevenir o tráfego ilegal de dejetos tóxicos. Adotada em  22 de março de 1989, entrou em vigor em 05 de maio de 1992.

Esta Convenção tem como objetivo o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos por meio de manejo ambientalmente correto; o tratamento e depósito o mais próximo possível do local onde foram gerados, bem como, a diminuição da produção destes resíduos. Prevê a necessidade de manifestação formal dos exportadores e de importadores para todo e qualquer movimento transfronteiriço de resíduos perigosos, bem como, de seu depósito final. À Secretaria da Convenção cabe, entre outras, as obrigações de controlar o movimento transfronteiriço destes resíduos, monitorar e prevenir o tráfego ilegal, prestar assistência para o manuseio ambientalmente correto, desenvolvendo, inclusive, Guia Técnico para o manejo de resíduos perigosos e promover a cooperação entre as Partes Signatárias da Convenção.

As emendas, posteriormente adotadas, proíbem a exportação dos países membros da OCDE — Organização para Cooperação com o Desenvolvimento Econômico, da União Européia e Liechtenstein, para todo e qualquer país de resíduos perigosos, tanto para depósito final, como para reciclagem.

II.2. CONVENÇÃO PIC

Na busca da implementação da Agenda 21[4] foi constituído o Comitê Intergovernamental de Negociação, para adoção de um instrumento internacional de vinculação jurídica para a aplicação do PIC, tendo resultado na Convenção sobre Procedimento de Consentimento Fundamentado Prévio Aplicável a Certos Produtos Químicos Perigosos Objeto de Comércio Internacional[5], mais conhecida como Convenção PIC.

A Convenção PIC, tem como objetivo promover o intercâmbio de informações entre os países produtores e exportadores de produtos químicos perigosos e os países importadores de tais produtos. O intercâmbio de informações possibilita que as Partes signatárias da Convenção partilhem as responsabilidades e promovam a cooperação entre os países exportadores e importadores visando a proteção da saúde humana e do meio ambiente contra efeitos perniciosos de determinados produtos químicos perigosos comercializados internacionalmente.

Para a devida aplicação da Convenção, cada Estado Parte deve designar uma autoridade nacional para assegurar sua aplicação em nível nacional ou regional.  A Conferência das Partes assegura sua aplicação em nível internacional e realiza a avaliação da Convenção, incluindo a adoção de alterações. Paralelamente, há um órgão subsidiário, o Comitê de Estudo dos Produtos Químicos, integrado por peritos em gestão de produtos químicos designados pelos governos. O Comitê tem, entre outras, a responsabilidade da análise e da avaliação dos produtos. O Secretariado assegura principalmente a coordenação e as funções administrativas.

Atualmente, estão sujeitos ao procedimento PIC, vinte e seis pesticidas e cinco produtos químicos ou grupos de produtos químicos industriais[6]. Adotando a sistemática de Convenção Quadro, prevê mecanismos de inclusão e exclusão de químicos.

Determinados grupos específicos de produtos químicos[7] estão excluídos da Convenção, assim como, produtos químicos em quantidades não susceptíveis de afetar a saúde humana ou o ambiente, desde que sejam importados para fins de investigação ou análise, ou por um indivíduo para seu uso pessoal e em quantidades razoáveis para tal uso.

Para que qualquer substância seja inserida na Convenção é necessário que tenha sido proibida ou severamente restringida por dois países em duas diferentes regiões do mundo. Uma vez incluído um químico, o Secretariado remeterá uma circular aos países importadores contendo informações sobre o produto, bem como, o documento de orientação da decisão que baniu ou restringiu o comércio de tal substância.

A Convenção prevê a troca de informações científicas, técnicas, econômicas e jurídicas sobre os produtos que entram no âmbito de aplicação da Convenção, assim como, fornecimento de informações sobre a regulamentação nacional sobre o assunto. Os paises em desenvolvimento ou com economias de transição podem se beneficiar da assistência técnica das partes mais avançadas na regulamentação dos produtos químicos.

Desta maneira, o comércio internacional destes produtos não está mais submetido à regra do livre comércio, onde os agentes privados decidem, livremente, sobre o trânsito de mercadorias, sem a intervenção de autoridades governamentais.

A Convenção de Roterdã ainda não entrou em vigor e só vigerá, noventa dias depois que cinqüenta dos Estados signatários a tenham ratificado. Em 02 de setembro de 2003, a Convenção contava com setenta e três signatários e estava ratificada por quarenta e quatro países.[8]

O procedimento de Consentimento Prévio Informado, entretanto, tem funcionado seguindo regras provisórias estabelecidas na própria Convenção, na mesma linha do procedimento original, e é atualmente aplicado por mais de cento e sessenta países, sob a denominação de — “ínterim PIC procedure”– procedimento provisório PIC.

 

II.3. CONVENÇÃO POP

Visando, também, o cumprimento das metas contidas na Agenda 21[9] e, face ao princípio da precaução, ambos previstos na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento[10], o Conselho Diretor do PNUMA decidiu iniciar os trabalhos para a adoção de um mecanismo legal internacional visando afastar os riscos associados aos Poluentes Orgânicos Persistentes, os denominados POPs.[11]

Os POPs são produtos químicos altamente tóxicos, que se fixam no tecido adiposo dos seres vivos, — resultando em bioacumulação — persistem intactos no ambiente por um longo período, podendo mover-se por longas distâncias através do meio ambiente, produzindo efeitos adversos para a saúde humana e para o meio ambiente.

Os estudos tiveram como base inicial a lista dos POPs, conhecida como dirty dozen (dúzia suja)[12], que já estava em discussão pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, no contexto da Convenção da Basiléia. Ao término destes estudos foi elaborada a Convenção POP, constituindo-se um instrumento internacional, legalmente obrigatório, tendo como objetivo central a redução ou eliminação de emissões e descargas no meio ambiente de poluentes orgânicos persistentes, adotada em Estocolmo, em 22 de maio de 2001.

A Convenção, que tem como pilar central a proteção da saúde humana e do meio ambiente, tomando como base o princípio da precaução,[13] é composta por um texto principal, extremamente simples e por Anexos, bastante complexos, que não só mencionam os poluentes orgânicos conhecidos, inicialmente, como os dirty dozen, nos moldes da Convenção PIC, mas também, descrevem os processos e fenômenos antrópicos que os produzem, além de certas obrigações principais entre os Estados Partes.

Desta forma, estabelece normas muito rígidas quanto à vigilância da produção e comércio dos POPs, comprometendo-se os Estados Partes a reduzir ou eliminar sua liberação no meio ambiente, seja ela resultante de seu uso ou produção, intencional ou não, seja resultante de armazenamento de produtos e resíduos que contenham tais substâncias. Seguindo o modelo adotado pela Convenção PIC, esta Convenção estabelece normas que impõem deveres de cooperação, em termos de assistência técnica e financeira internacional, entre os Estados Partes, como informação, sensibilização e formação de opinião pública, realização de atividades de investigação, desenvolvimento de técnicas de controle de vigilância dos elementos regulados. Utiliza, também, a técnica de convenção-quadro, instituindo mecanismo para inclusão e exclusão de POPs e um sistema de verificação do adimplemento de suas disposições.

A Convenção de Estocolmo também ainda não entrou em vigor e só vigorará depois de obtidas cinqüenta ratificações. Até junho de 2003, contava com cento e cinqüenta e um países signatários e com trinta e três ratificações.[14]

Portanto, três conjuntos de normas internacionais visam a proteção do meio ambiente face às substância poluentes: A Convenção da Basiléia sobre o Movimento Transfronteiriço de Resíduos Tóxicos, — em vigor a partir de 1992, — a Convenção PIC e a Convenção POP — estas últimas ainda sem vigência.

III. ASPECTOS NACIONAIS

O Brasil assinou e ratificou a Convenção da Basiléia, tendo entrado para nosso sistema jurídico interno sob o Decreto 875, de 19 de junho de 1993.

Sob a coordenação do Itamaraty, o Brasil participou, ativamente, das elaborações e redações finais, das Convenções PIC e POP, tendo estabelecido sua posição frente às questões, não só ouvindo os órgãos governamentais, como as organizações não governamentais e o setor industrial. Foi signatário de ambas as Convenções, mas, ainda não as ratificou nem as internalizou.

Em questões de segurança química o Brasil vem mantendo uma postura de destaque no cenário internacional tendo ocupado a Presidência do Comitê Intergovernamental Negociador que elaborou a Convenção PIC. Sediou, em outubro de 2000, em Salvador-BA, a III Sessão do Foro Intergovernamental de Segurança Química, na qual participaram representantes de Governos, indústria e sociedade civil, de oitenta países. Atualmente, o Brasil ocupa a Presidência deste Foro Intergovernamental de Segurança Química, — com mandato que termina no final de 2003 — que estuda e classifica os POPs.

Seguindo esta política adotada internacionalmente, o Governo brasileiro, antecipando à adoção destas Convenções Internacionais, criou um Grupo Técnico Interministerial, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente para estudar e estabelecer condições internas para implementar medidas visando à adoção destes novos instrumentos internacionais. Sua atuação estará integrada, também, ao Ministério das Relações Exteriores, órgão que coordena a participação brasileira nas negociações internacionais e nos foros estabelecidos no âmbito das Convenções das quais o país é signatário.

III.1. PRINCIPAIS NORMAS AMBIENTAIS BRASILEIRAS

A proteção ao meio ambiente, no Brasil, só se firmou a partir da década de 80 acompanhando a conscientização mundial sobre a questão, cujo marco foi a Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente de 1972.

No entanto, nota-se, já anteriormente, uma constante e progressiva preocupação sobre a questão no nosso sistema jurídico, em normas esparsas, inseridas na regulamentação ordinária, como é o caso das previsões contidas no Código Civil de 1916 – em vigor a partir de 1917, – Regulamento de Saúde Pública[15], Regulamento da Defesa Sanitária Vegetal[16], Códigos: Florestal[17], de Águas[18], da Pesca[19], de Minas[20], e Penal[21], Estatuto da Terra[22], Política Nacional de Saneamento[23] entre outras.

Sob a influência da Conferência de Estocolmo, instituiu-se o Controle da Poluição do Meio Ambiente por Atividades Industriais[24], estabeleceu-se a Vigilância Sanitária sob a qual ficaram sujeitos os Medicamentos, Drogas, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, Cosméticos, Saneantes e outros Produtos,[25] regulamentou-se a Responsabilidade Civil por Danos Nucleares e Responsabilidade Criminal por Atividades Nucleares[26] e criou-se áreas e Locais de Interesses Turístico.[27]

Desde 1967 estão em vigor penalidades para embarcações e terminais marítimos ou fluviais que lançarem detritos ou óleo em águas brasileiras[28]. Esta regulamentação foi ampliada e modernizada no ano de 2000 sob a Lei 9.966, que dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional, prevendo as respectivas penalidades.

O Brasil iniciou a adoção de sua Política Nacional do Meio Ambiente em 1981[29], sob a qual foi instituído o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. O conceito de meio ambiente como objeto específico de proteção, a obrigação de o poluidor reparar os danos causados — independentemente de culpa, de acordo com o princípio da responsabilidade objetiva, — foram princípios importantes adotados por esta legislação.

Outra base de sustentação da proteção ambiental encontra-se nos dispositivos que prevêem as Responsabilidades por Condutas e Atividades Lesivas ao Meio Ambiente, a chamada Lei dos Crimes Ambientais, (1998) que, entre outros, classifica como crime a produção, processamento, embalagem, importação, exportação, comercialização, fornecimento, transporte, armazenamento, guarda, depósito ou uso de produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos[30].

Fechando o leque de proteção legal, a Lei da Ação Civil Pública[31] veio dar instrumentalidade própria às leis de defesa do meio ambiente, dos bens e interesses de valor artístico, estético, histórico, paisagístico e turístico, além da proteção do direito do consumidor e nossa Constituição Federal de 1988 que consolidou a matéria ambiental dando status constitucional à Política Nacional do Meio Ambiente em Capítulo próprio.[32]

Por outro lado o Brasil já detém normas que proíbem ou colocam sob vigilância a fabricação e a utilização de certas substâncias que prejudicam a saúde humana. Além da Lei de Vigilância Sanitária[33] e os diferentes dispositivos constantes das normas gerais acima especificadas, a chamada Lei de Agrotóxico[34] dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins.

Esta legislação vem sendo considerada bastante avançada no que se refere ao controle dos riscos associados ao manejo de produtos tóxicos perigosos. O que se discute é a falha aplicação destes dispositivos legais, bem como, o ineficaz controle da utilização e a omissa fiscalização das restrições de uso, dificultando o banimento destes produtos.

III.2. ESFORÇO DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA QUÍMICA

O Conselho Nacional do Meio ambiente – CONAMA[35] criado para implementar as ações do Ministério do Meio Ambiente, tem sido responsável desde 1981, pela política de proteção ambiental integrando, suas Resoluções, o corpo de normas de proteção ambiental, incluindo os POPs. Mas, apesar de todos o esforço governamental, estas normas vêm sendo reiteradamente descumpridas.

O registro de agrotóxicos e preservantes de madeira; a rotulagem; as normas de transporte, armazenagem, comercialização, uso e destinação final, bem como, o controle do comércio exterior destes produtos através do Sistema Integrado de Comércio Exterior- SISCOMEX, pretende dar efetividade às normas vigentes.

Para alguns, as substâncias POPs já possuem base legal que permite iniciar algumas ações, como a elaboração de inventários e estatísticas sob o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas – SINITOX, — vinculado à FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz. Este sistema detém informações sobre substâncias químicas, coordenando o processo de coleta, compilação, análise e difusão dos casos registrados de intoxicação em seres humanos e realizando estudos, pesquisas e implantação e desenvolvimento de programas e campanhas de educação e de prevenção de acidentes tóxicos. Apesar do bom trabalho e do esforço empreendidos, outros mecanismos mais eficientes e mais pulverizados para a difusão de informações necessárias à gestão saudável de substâncias químicas, devem ser implementados.

A Comissão Coordenadora do Plano de Ação em Segurança Química – COPASQ,[36] por sua vez, está encarregada de estudos e discussões sobre a segurança química visando o cumprimento do Plano Nacional de Segurança Química, que contribuirá para a adoção da Convenção POP.

O Ministério do Meio Ambiente criou, ainda, o Projeto de Redução de Riscos Ambientes – PRORISC para o desenvolvimento de ações relacionadas à segurança química, visando o gerenciamento da produção destas substâncias, dos resíduos industriais, para o estudo do impacto do comércio destas substâncias no meio ambiente e para incrementar a gestão ambiental.

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei [37] que dispõe sobre a proibição, em todo o território nacional, de produção, transporte, armazenamento, comercialização, propaganda comercial, utilização, importação e exportação de agrotóxicos que tenham por princípio ativo o organofosforado metamidofós e demais agrotóxicos do grupo organofosforado.

O metamidofós, listado na Convenção PIC, ainda é o segundo inseticida mais comercializado no Brasil. A União Européia já baniu a substância de seus estoques. Como resultado de uma primeira avaliação, o Brasil já restringiu sua utilização. Entre suas obrigações, o Brasil tem que informar ao secretariado da Convenção toda a situação de comercialização, distribuição, produção e uso deste químico no País. Além disso, foi acordado na última reunião, o estabelecimento de estudo epidemiológico de acompanhamento de intoxicações causadas pelos produtos que estão compondo a chamada Lista da Convenção de Roterdã, que engloba uma série de clorados e antifosforados, parathion metílico, fosfomidon e o metamidofós.

Já há discussões no Ministério do Trabalho sobre maiores restrições aos químicos que continuam sendo utilizados e sobre as medidas de segurança no uso do metamidofós visando uma regulamentação definitiva estabelecendo, juntamente como o Ministério da Agricultura, critérios para a mudança de formação de rótulo e bula no prazo mais curto possível, com as novas restrições preestabelecidas.

O Brasil ainda utiliza o Heptacloro, — fungicida e cupinicida — na preservação de madeiras, químico que está sendo reavaliado. Utiliza, também, os PCBs – bifenilos policlorados, — comercializados sob o nome de ascarel, — na produção de lubrificantes, seladores, tintas, vernizes, corantes, protetores de borracha e reboco de paredes. A comercialização, utilização, armazenamento e depósito final destes produtos devem seguir prescrições legais específicas que comportam várias restrições pois dependem de registro, cuidados especiais na embalagem e rotulagem.

O Ministério da Saúde proíbe, desde 1998 a utilização do DDT no combate a vetores (malária). Praticamente, quase todos os clorados que constam da lista da Convenção de Roterdã estão proibidos no território nacional. No entanto, o controle das emissões de dioxinas e furanos é bastante precário, apesar do empenho do CONAMA.

Considerações especiais devem ser feitas no que se refere aos Planos de Ação a serem adotados que incorporarem, essencialmente, as prioridades nacionais. Tal política há de ser implementada a partir de um estudo mais minucioso sobre a situação do tráfico dos químicos no território nacional, a fim de que seja traçado o real perfil desse tipo de comércio, identificando os produtos comercializados, as regiões que mais os adquirem e as que mais os utilizam, bem como, os fins para os quais são usados, seu manejo e o destino final de seus dejetos.  A promoção da capacitação técnica no país é fundamental para o êxito deste processo e, só a adoção de um debate mais amplo possibilitará o início da substituição de produtos mais tóxicos por outros menos tóxicos. É preciso organização, trabalho contínuo, dados e informações, para que haja mudança no estado de coisas atual, visando nossa adaptação às normas das novas Convenções.

IV. CONCLUSÕES

A Convenção da Basiléia, a Convenção PIC e a Convenção POP, todas as três adotadas sob o PNUMA compõem o conjunto internacional que regula a produção, comércio, transporte internacional e depósito final de produtos químicos perigosos e danosos à saúde humana e ao meio ambiente.

A Convenção da Basiléia foi adotada em resposta às preocupações sobre o lixo tóxico de países industrializados que estavam sendo depositados em países em desenvolvimento e com economias em transição. No primeiro momento, o principal alvo desta Convenção foi o controle da movimentação transfronteiriça de dejetos perigosos e o desenvolvimento de critérios para sua administração ambiental sustentável. Mais recentemente, o trabalho da Convenção vem enfatizando a implementação de compromissos visando a diminuição do descarte destas substâncias perigosas.

A Convenção PIC nasceu pelo grande crescimento da produção e do comércio de substâncias químicas perigosas e pesticidas durante as últimas três décadas, com riscos potenciais para o meio ambiente e a saúde humana, aliados à constatação que os países importadores mostravam-se particularmente vulneráveis por estarem desprovidos de infra-estrutura adequada para monitorar a importação e uso de tais substâncias.

Na década de oitenta, o PNUMA e a FAO desenvolveram normas de conduta voluntárias e sistemas de troca de informação que resultaram no procedimento do Prévio Consentimento Informado (PIC), que vem sendo utilizado desde 1989. A nova Convenção PIC substituirá este arranjo com um procedimento de PIC obrigatório.

A Convenção POP supre a urgente necessidade de uma ação global para proteção da saúde humana e o meio ambiente contra as substâncias químicas altamente tóxicas, persistentes, bio-acumuláveis e com grande mobilidade de longa distância no meio ambiente. A Convenção busca a eliminação ou restrição de produção e uso de todo POP. Busca, ainda, a minimização dos efeitos persistentes e, onde possível, a total eliminação dos lançamentos não intencionais produzidos pelos POPs, como dioxinas e furanos. A Convenção impõe certas restrições de comércio e estabelece normas de manejo ambientalmente correto.

Estes três instrumentos internacionais detêm um mecanismo para a administração dos efeitos persistentes de substâncias químicas perigosas e, as Secretarias destas Convenções estão desenvolvendo planos de ação conjuntos visando a cooperação mútua atual e o potencial de cooperação mais estreita para o futuro. Tais planos[38] abrangem as áreas de controle, ciência e tecnologia, assuntos legais e institucionais, monitoramento e informação e programa de serviços de apoio. O gerenciamento integrado destas substâncias cobertas por estas três Convenções dará efetividade à proteção ambiental e da saúde humana.

Quanto ao Brasil, apesar de haver assinado estas Convenções Internacionais, só ratificou e internalizou a Convenção da Basiléia e ainda não adotou  políticas públicas para a proteção por elas pretendida.

Apesar de nosso sistema de proteção ser precário e nosso sistema de controle ser muito ineficiente, um grande esforço conjunto — órgãos públicos, organizações não governamentais e a sociedade civil em geral, que vem tomando consciência da importância das questões ambientais — vem sendo desenvolvido para a implementação de medidas que protejam o meio ambiente e afastem o risco que os POPs causam à saúde humana.

 

V. BIBLIOGRAFIA

AGENDA 21. Capítulo 19: Manejo Ecologicamente Saudável das Substâncias Químicas Tóxicas, Incluída a Prevenção do Tráfico Internacional Ilegal dos Produtos Tóxicos e Perigosos. Disponível em: . Acessado em 02 de setembro de 2003.

____.Legislação. Disponível em: . Acessado em 02 de setembro de 2003.

ALBUQUERQUE, Letícia. A Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais, defendida a 10/04/2003, no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina. (Orientador: Prof. Dr. Christian Guy Caubet).

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Prioridades regionais: Convenções de Estocolmo, Roterdã e Basiléia e outros assuntos relacionados. Disponível em: . Acessado em 02 de setembro de 2003.

_____, Câmara dos Deputados. Parecer da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias. Disponível em: . Acessado em 02 de setembro de 2003.

_____, Câmara dos Deputados. Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação. Disponível em: . Acessado em 02 de setembro de 2003.

_____, Câmara dos Deputados. Parecer da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Disponível em: . Acessado em 02 de setembro de 2003.

COPASQ – Comissão Coordenadora do Plano de Ação Para Segurança Química. Planos de Ação. Disponível em: . Acessado em 02 de setembro de 2003.

MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000.

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SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002.

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UNEP. United Nations Environment Program Chemicals. Disponível em: . Acessado em 02 de setembro de 2003.

 


[1]:  Advogada especialista em Direito do Meio Ambiente, doutoranda em Direito Internacional pela USP;

[2]United Nations Environment Program-UNEP;

[3]:     International Register of Potentially Toxic Chemicals-IRPTC;

[4]:  Capítulo 19 sobre o Manejo Ecologicamente Saudável das Substâncias Químicas Tóxicas, Incluída a Prevenção do Tráfico Internacional Ilegal dos Produtos Tóxicos Perigosos;

[5]Prior Informed Consent for Certain Hazardous Chemicals and Pesticides in International Trade Convention, – concluída em Roterdã, em setembro de 1998;

[6]:  Pesticidas: 2,4,5-T; HCH (mixed isomers); Aldrin; Heptachlor; Captafol; Hexachlorobenzene; Chlordane; Lindane; Chlordimeform; Mercury compounds; Chlorobenzilate; Methamidophos; DDT; Methyl-parathion; Dieldrin; Monocrotophos; Dinoseb and Dinoseb salts; Parathion; 1,2-dibromoethane (EDB); Pentachlorophenol; Fluoroacetamide; Phosphamidon.

Uso Industrial: Crocidolite; Polybrominated biphenyls (PBB); Polychlorinated biphenyls (PCB); polychlorinated terphenyls (PCT); Tris (2,3-dibromopropyl) phosphate;

[7]:  Produtos estupefacientes e substâncias psicotrópicas, materiais radiativos, resíduos, armas químicas, produtos farmacêuticos, produtos alimentares e aditivos alimentares;

[8]:  Dados obtidos no site www.pic.int – acessado em 02/09/03;

[9]:  Previstas nos capítulos de Segurança Química e Proteção dos Oceanos (Capítulos 17 e 19);

[10]:  Princípio 15 da Declaração do Rio;

[11]:  Decisão 18/32 da 9ª Conferência do Conselho Diretor do PNUMA, maio de 1995. In www.pops.int – acessado em 02/09/03;

[12]:  Entre a dúzia suja, constam oito pesticidas (DDT, aldrin, dieldrin, clordano, endrin, heptacloro, mirex, toxafeno), dois produtos químicos industriais (Hexaclorobenzeno-HCBs e Bifenilas Policloradas-PCBs) e dois subprodutos não intencionais, gerados, da combustão de matéria orgânica (dioxinas e furanos). Esta lista encontra-se citada na Decisão 18/32;

[13]:  Princípio da Precaução: havendo qualquer dúvida sobre os riscos que uma atividade, processo ou produto, possam causar há a necessidade de adoção de medidas visando evitar a concretização destas possíveis lesões ao meio ambiente ou à saúde humana;

[14]:  Dados obtidos no site www.pops.int – acessado em 02/09/03;

[15]:  Lei 16.300 de 31/12/23;

[16]:  Decreto 24.114 de 12/04/34;

[17]:  Decreto 23.793 de 23/01/34 posteriormente, Lei 4.771 de 15/09/65;

[18]:  Decreto 24.643 de 10/07/34;

[19]:  Decreto Lei 794 de 19/10/38, substituído pelo Decreto 221 de 28/02/67;

[20]:  Decreto Lei 1.985 de 29/01/40, substituído pelo Código de Mineração, Decreto Lei 227 de 28/02/67;

[21]:  Código Penal, Decreto Lei 2.848 de 07/12/40;

[22]:  Lei 4.504 de 30/11/64;

[23]:  Lei 5.318 de 26/09/67, que reestruturou a Política Nacional de Saneamento Básico e o Conselho Nacional de Saneamento que haviam sido instituídos em fevereiro daquele mesmo ano;

[24]:  Decreto Lei 1.413 de 14/08/75;

[25]:  Lei 6.360 de 23/09/76;

[26]:  Lei 6.453 de 17/10/77

[27]:  Lei 6.513 de 20/12/77

[28]:  Lei 5.357 de 17/11/67. Esta lei foi revogada pela Lei 9.966 de 28/04/00, atualmente em vigor sob regulamentação do Decreto 4.136/02;

[29]:  Lei 6.938 de 31/08/81

[30]:  Lei 9.605 d 12/12/98

[31]:  Lei 7.347 de 24/07/85;

[32]:  Artigo 225 da CF/88;

[33]:  Lei 6.360/76

[34]:  Lei 7.802, de 11/06/89, atualmente regulamentada pelo Decreto 4.074, de 04/01/2002;

[35]:  Instituído pela Lei 6.938 de 31/08/81 e regulamentada pelo Decreto 99.274 de 06/06/90, o CONAMA integra a Estrutura Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA;

[36]: Criada pela Portaria 319/2000 do Ministério do Meio Ambiente;

[37]: Projeto de Lei nº 2.691-A, de 1997 de autoria do Deputado Fernando Ferro.

[38]:  Estes planos estão consubstanciados em um Relatório já adotado pelo Conselho Diretor do PNUMA em fevereiro de 2002.

* Artigo enviado pela colaboradora Maria Elvira Calazans

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