O DIREITO DE POLUIR
ANTÔNIO SILVEIRA RIBEIRO DOS SANTOS
Juiz de direito em São Paulo. Criador do Programa Ambiental: A Última Arca de Noé (www.aultimaarcadenoe.com.br)
Ultimamente temos visto em vários meios de comunicação e mesmo nos meio acadêmicos a discussão sobre as formas de poluição e como reprimir os poluidores, mostrando que há uma crescente preocupação com o tema, isto devido certamente a maior conscientização sobre os problemas ambientais. Têm-se questionado muito se o proprietário de um imóvel tem poder absoluto e em nível macro se um país tem soberania absoluta para decidir sobre a poluição que produz, ou seja, tem o proprietário de imóvel e mesmo um país o direito de poluir? Estas questões são interessantíssimas tanto do ponto de vista ambiental como jurídica e merecem ser analisadas. E é isto que tentaremos fazer aqui, nem que seja brevemente.
Em termos nacionais a história social e jurídica de nosso país sempre reservou à propriedade imóvel um tratamento especial, considerando-a como fundamental para o arcabouço político social vigente, sendo uma espécie de garantia econômica e social que traz ao proprietário o direito absoluto sobre sua disposição e utilização. Isto está previsto no nosso Código Civil que em seu artigo 524 diz que o proprietário tem o direito de usar, gozar e dispor de seus bens. Assim, pode transparecer que o proprietário pode fazer o que quiser de sua propriedade, sem ter que dar satisfação a quem quer que seja, porém tal entendimento está sofrendo mudanças, como veremos.
Com a crescente tendência mundial de se observar o fator social a propriedade passou a ter que se adequar as suas funções sociais e econômicas, aliás já previstas em nossa Constituição Federal (art.5ºe art.170, III), limitando-se assim em termos constitucionais o direito absoluto de propriedade. Já em temos ambientais, com o surgimento da conscientização da problemática ambiental, assim como o crescimento da tecnologia que possibilitou descobrir as conseqüências do poder poluidor de muitas atividades humanas, como os efeitos de muitos gases e dejetos altamente contaminados entre outros, começou a surgir a preocupação com os efeitos desta poluição que muitas vezes transbordam a esfera territorial das propriedades e mesmos dos territórios dos países. Além disso, a poluição começou a aumentar e a transpor cada vez mais as fronteiras, daí iniciou-se a procurar de meios de impedir de continuar a prejudicar o ambiente e as pessoas, criando-se clima para medidas limitadoras ao direito de propriedade.
As imposições urbanísticas, especialmente de segurança sanitária e de salubridade pública, entre outras, também passaram a se caracterizar restrições ambientais ao uso das propriedades, como previsto em vários diplomas legais, entre eles o artigo 180 Constituição Estadual de S.Paulo, por exemplo. A propriedade deve ainda adequar-se a utilização dos recursos naturais disponíveis preservando o meio ambiente (art.186,II da Constituição Federal), ocorrendo dessa forma uma nova função da propriedade: a função ambiental, que se caracteriza pela sua adaptabilidade ao meio ambiente. O atendimento a estas imposições ambientais implica na proibição do proprietário de poluir, considerando-se isto os atos que possam degradar a qualidade do ambiente. Nos termos art.3º, III da Lei 6.938 de 31.08.81 (Política Nacional do Meio Ambiente) poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante das atividades que direta ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota e as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente e lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
Dessa forma, têm-se entendido que o proprietário tem atualmente “limitado” o seu direito de propriedade, se sua ação é danosa à coletividade ou ao bem comum. Ademais, a ninguém é permitido o direito de poluir, porque a poluição atinge parte ou toda uma comunidade e até o próprio poluidor. Esse direito não pode ser reconhecido em nosso ordenamento jurídico. Assim, modernamente, uma ação poluidora não pode mais ser admitida por reconhecimento do direito pleno do proprietário, mesmo que isso implique no prejuízo de seu direito de propriedade, porque está em jogo um bem muito maior que é o meio ambiente, reconhecido constitucionalmente como um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (art.225,Constituição Federal).
Para impedir atos degradatórios ambientais, os vizinhos prejudicados podem coibir judicialmente o poluidor através da ação cominatória (art.554, Código Civil), entendendo-se vizinho todo aquele que é atingido pela ação predatória, onde quer que esteja em relação a fonte poluidora. Também a coletividade e o Ministério Público podem, ainda, ajuizar ações civis públicas para barrar atos que degradem o ambiente, com base na lei 7.347/85.
Enfim, o direito de poluir não é reconhecido em nosso ordenamento jurídico, nem mesmo sob o fundamento do direito de propriedade, à qual se exige o desempenho de uma função sócio-ambiental também, assim como está sendo banido em termos planetários, devido ao crescimento do conhecimento tecnológico e da conscientização ambiental, como dito. Ademais, o direito a uma vida saudável de todos se contrapõe ao direito individual daquele que polui.
Obs.: Artigo já publicado em: Notícias Forenses-SP- set/96; Diadema Jornal – 27.10.96; JBA -Gr.Jornal.Ronaldo Cortes – 24.01.97 e 19.10.01; Folha de São Paulo – 08.02.97 etc.